Não é chocante afirmar que o computador mais utilizado pelo consumidor é o que vive diariamente no seu bolso. É no smartphones que este comunica, efetua operações bancárias, lê noticias e gere o seu dia a dia pessoal e profissional.

Com o lançamento de novas versões dos dois sistemas operativos mais usados do mundo (versão 10 do Android e versão 13 do Apple iOS) é finalmente trazida para a primeira linha a questão da segurança da privacidade e dados do consumidor.

É sabido que empresas como a Google ou o Facebook monetizam os dados pessoais e perfis de consumidor dos seus consumidores. Sabe-se também que pequenas empresas, que elaboram e disponibilizam aplicações gratuitas, vendem os dados associados à utilização destas aplicações para se financiar, num modelo de negócio comumente chamado de freemium.

Qual a relevância desta invasão dos nossos dispositivos mais íntimos? E que ferramentas prepararam a Google e a Apple para proteger os consumidores?

O volume de dados pessoais que se armazenados nos nossos dispositivos é verdadeiramente impressionante. Nos termos do Regulamento Geral de Protecção de Dados, os dados pessoais são informações relativas a pessoas vivas, identificadas ou identificáveis. Assim, podem constituir dados pessoais não só os dados que geramos nos nossos telefones, mas as simples pegadas digitais (digital footprints) que criamos ao utilizar determinadas aplicações. Sendo que muitas vezes estes dados pessoais são recolhidos por apps terceiras para serem depois “vendidos”. Por isso, notamos que a pesquisa por uma carteira laranja no browser nos leva a visualizar anúncios relativos a esse produto em redes sociais que nenhuma relação têm com a empresa que desenvolveu esse browser.

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Chegados aqui, que configurações de privacidade foram adoptadas pela Apple e pela Google, ao desenvolverem os dois sistemas operativos móveis mais usados no mundo, para combater estas utilizações dos nossos dados?

Android Q ou Android 10

O Android é na verdade um sistema aberto, desenvolvido por uma fundação, porém a versão que utilizamos é a versão trabalhada e comercial da Google e inclui um conjunto de serviços essenciais para o consumidor, nomeadamente loja de aplicações Playstore e é muitas vezes denominada Google Android.

O Google Android 10 inclui um conjunto de ferramentas e procedimentos para permitir aos consumidores assumir o controlo dos seus dados pessoais, nomeadamente localização, ficheiros, consumos e hábitos de utilização.

Em primeiro lugar a Google inseriu um menu especifico para permitir centralizar todas as opções configuráveis de privacidade. É importante realçar que nas versões anteriores o utilizador tinha de procurar em todas as aplicações os controlos de privacidade específicos, tornando-se uma tarefa Herculina. Neste menu o consumidor pode definir quais os dados que permite à Google aceder, guardar ou de alguma forma “tratar”.

A Google introduziu ainda a possibilidade de controlar o momento e a forma como as apps podem aceder à localização do consumidor, de forma a, por exemplo, impedir uma app de car sharing de aceder 24/7 à localização do mesmo.

Outra das inovações trazidas é a possibilidade de fazer opt-out aos chamados anúncios direcionados. Desta forma o consumidor continuará a receber anúncios, porém estes não serão direcionados ao seu perfil especifico.

Assim, o consumidor não irá ver a sua pegada digital a ser utilizada para definir quais os conteúdos promocionais que lhe serão apresentados. 

A Apple e o iOS 13

Também a Apple introduziu várias novidades sobre privacidade no seu sistema operativo iOS 13 para iPhones (iPad OS para Ipads) anunciado em junho e lançado neste mês de setembro.

A Apple comprometeu-se a permitir aos consumidores saberem que aplicações acedem à sua localização, de forma a permitir bloquear este acesso. Agora os consumidores podem definir quantas vezes pode uma aplicação aceder à sua localização.

Introduziu ainda um mecanismo que obriga as aplicações a pedir permissão para aceder à lista de contactos do consumidor.

No que se refere às fotografias, a Apple introduziu um mecanismo para limpar os dados de localização da fotografia sempre que esta é carregada numa rede social.

No seu browser Safari, a Apple introduziu uma forma para prevenir o chamado cross site tracking impedindo assim que certos websites recolham informações do consumidor.

Numa verdadeira revolução tecnológica, económica e social, em que um aparelho electrónico assume um papel de muito relevo na nossa vida profissional e pessoal, é importante garantir que os consumidores não são sujeitos a uma extrema monetização dos seus dados pessoais e não veem a sua privacidade posta em risco.

Existem muitas soluções ao dispor do consumidor para contornar os constantes ataques à sua privacidade, de carácter técnico e jurídico.

Porém, estas soluções exigem uma maior “alfabetização” do consumidor, deixando uma grande margem de manobra aos gigantes tecnológicos para continuar a monetizar e a fazer do consumidor o seu verdadeiro produto.

Muito se tem dito que o verdadeiro produto de muitas empresas tecnológicas não é o software que desenvolvem, mas o seu consumidor final. Será verdade? Isto só o tempo nos irá mostrar.

Advogado de Telecoms, Media e Tecnologia