A invasão russa da Ucrânia precipitou para a agenda mediática uma curiosa e randómica hipótese, que, entretanto, se formalizou num pedido: o da adesão da Ucrânia à União Europeia. Se é verdade que a liderança de Zelensky aproximara o território, outrora soviético, ao bloco Ocidental, encetando-se, inclusive, de há uns anos a esta parte, conversações sobre uma potencial adesão à OTAN, a realidade é que nada faria prever a adesão da República Ucraniana a uma Europa dos 27. A não ser, talvez, o violento cenário de guerra hodiernamente vivido.

Assinado pelo presidente ucraniano, o pedido formal para a entrada do país na União Europeia realizou-se 28 de fevereiro de 2022 e, com o apoio do Parlamento Português (à exceção do PCP), o Conselho Europeu de 23 de junho de 2022 concedeu à Ucrânia o estatuto de país candidato à UE. Isocronamente, nas restantes Instituições Europeias, nomeadamente Comissão e Parlamento Europeu, parecem correr, também, ventos favoráveis à integração, invariavelmente motivados pela situação atual de guerra e catástrofe humanitária. Parece, pois, cada vez mais provável, a adesão à União ou, alternativamente, como avançado pelo Presidente Francês Emmanuel Macron, a criação de um modelo complementar de integração, associado a uma ideia de uma comunidade política europeia, assente num novo quadro estruturado de cooperação, reunindo nações europeias democráticas que aderem ao conjunto de valores europeus.

Na fervura impulsiva europeísta de Kiev deveriam ter sido, contudo, vertidas águas sobre os impactos e reflexos da adesão. Com propriedade, António Costa, em entrevista ao Financial Times, acabou por assumir essa dianteira ponderativa, num primeiro momento. Porém, a excruciante pressão mediática e vox populis fazem ebulir qualquer sensatez que se impunha.

Prévia à reflexão pretendida, importa deixar duas notas relevantes, procurando-se afastar possíveis e prováveis argumentos ad hominem: 1) é se um ávido defensor do projeto, integração europeia e um alargamento a novos membros; 2) condena-se veementemente a vil, incompreensível e injustificada invasão russa da Ucrânia e suporta- se o apoio logístico, financeiro e militar à Ucrânia, concomitantemente com o desenvolvimento de esforços diplomáticos para a resolução do conflito. É total a solidariedade para com o povo ucraniano.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ressalvados estes pressupostos, analisando as causas subjacentes a este ímpeto europeísta ucraniano, será evidente apontar para o desespero de um povo que sofre com a realidade da guerra e procura ativamente aliados/ ajuda externa, por um lado, e uma comunidade de direito, cujo princípio fundacional é a paz, preocupada com os desenvolvimentos a leste e comprometida com o fim do conflito. Repare-se, estes são sentimentos profundamente legítimos, mas, como qualquer sentimento que se preze, correm o risco de incorrer num tanto quanto de irracional. Desde logo, a União Europeia não é uma organização de cariz militar, não sendo, por isso, expectável, em resultado de uma potencial adesão, uma resposta bélica automática por parte dos Estados-membros, à semelhança da prevista no artigo 5.o do Tratado Atlântico Norte (nos tratados europeus prevê-se, tão só, a cooperação em matérias de defesa e segurança, algo existente, à data, na relação entre os Estados europeus e Kiev). Já do ponto de vista geoestratégico, dificilmente a adesão funcionaria como mecanismo dissuasor à investida russa, atendendo ao regime tirano e ao esforço de guerra russo empreendido até ao momento.

A ideia de uma Europa a 28 convoca aspetos que não podem deixar de ser ativamente considerados, não estivesse o presente e o futuro do Projeto Europeu em jogo. Num plano político, não tendo sido realizada uma análise atempada e cuidada do respeito pelos critérios de Copenhaga, o quarto poder vem noticiando graves violações do princípio do Estado de Direito, prévios ao conflito. A União Europa rege-se por princípios comuns e encontra-se imbuída por um espírito muito próprio, cujos requisitos de adesão visam proteger, em nome da coesão entre os Estados-membros e da unidade axiológica fundante da União. A adesão irrefletida pode, mesmo, colocar em xeque esta estrutura nuclear europeia.

Institucionalmente, os efeitos não são de menorizar: com base nos critérios, degressivamente proporcionais, de distribuição de lugares no Parlamento Europeu vigentes, a Ucrânia passaria a ser o 4o Estado-membro mais representado no Parlamento Europeu e, portanto, com um peso político claramente desajustado ao envolvimento e comprometimento com o projeto europeu.

Numa vertente orçamental e económica, os desequilíbrios que decorreriam da entrada de um grande país produtor e exportador, em grande medida de cereais, são por demais evidentes. Um mercado interno que se rege por um equilíbrio fino entre balanças comerciais superavitárias e deficitárias, ver-se-ia revolucionado pela entrada de um “tubarão” comercial, no cenário europeu. Da mesma forma, a Ucrânia apesar da dimensão territorial e populacional acaba por possuir baixos índices de desenvolvimento socioeconómico, logo acabaria por reclamar uma fatia considerável do Orçamento da União, especialmente no que aos fundos de coesão diz respeito. Lidando com recursos finitos, países como Portugal, com graves falhas em matéria de coesão territorial, saíram prejudicados desta redistribuição.

Soará, portanto, o Hino da Alegria em Kiev? É esta a pergunta de um milhão de euros. Do lado das instituições e responsáveis políticos, a vontade parece ser praticamente unânime. Resta aguardar por uma solução equilibrada e ponderada, ausente de caixas de pandora e rampas deslizantes, que vá de encontro às pretensões ucranianas, salvaguardando a sempre frágil, mas brilhante, construção europeia.