O primeiro-ministro explicou-o bem. O sector dos táxis (ainda) é dos que vive no (confortável) ambiente de condicionamento industrial (herdado do Estado Novo) como aconteceu nas farmácias. Os parêntesis correspondem ao que não disse António Costa. Deu o exemplo das farmácias, que beneficiavam também de limitações à entrada no negócio, vantagem eliminada com uma medida emblemática o primeiro Governo de José Sócrates. Mas podia ter dado muitos outros exemplos que persistem, protegendo da concorrência quem trabalha nesses sectores. Porque a legislação e a tecnologia assim o permitem.

As barreiras à entrada de novos concorrentes — como os economistas designam esta situação — geram “rendas”, o acréscimo ao lucro que os que já estão no negócio beneficiam por não ser possível entrar mais ninguém ou por gerirem o número de novos concorrentes. Essas rendas correspondem basicamente àquilo que o consumidor perde. Não são apenas os taxistas que beneficiam de discutíveis barreiras à entrada, que mais do que proteger o consumidor garantem rendas aos produtores de serviços. Os advogados e os médicos, para citarmos apenas dois casos, continuam a beneficiar de importantes barreiras à entrada de concorrentes. Conseguiram inclusivamente que essas barreiras sobrevivessem às imposições da troika para acabar com elas.  E subsistem.

Também as barreiras para ser taxista se manteriam, não fosse a tecnologia ter rebentado com elas e, ao mesmo tempo, ter criado – ou viabilizado — a cultura da economia da partilha. Como deu cabo de muitas outras. Veja-se o caso do sector dos media. Foi dos primeiros a ver as barreiras de acesso a desaparecerem, eliminando o monopólio que os jornalistas tinham de intermediar a informação. Os jornalistas continuam a ser necessários, como validadores de informação, mas já não é apenas através deles que os protagonistas das notícias podem comunicar. E a queda das barreiras criou condições para a criação de muitas pequenas e micro empresas de media, o que seria impossível no passado, devido aos elevados custos associados ao investimento inicial. E hoje são os grandes grupos de media que se sentem ameaçados, restando-lhes o valor da marca que dá a garantia de validade da informação. Mas esse será um outro tema.

No caso dos táxis há (ainda) toda uma regulamentação que impõe barreiras à entrada de novos concorrentes, mas a mais importante é sem dúvida a contingentação: um limite quantitativo. Se é fácil perceber regras como a exigência de formação, é mais difícil perceber porque é que existe esse limite. Mas sempre houve e os taxistas parecem querer mantê-lo, a crer na pergunta que o primeiro-ministro fez no debate quinzenal que inaugurou o último ano desta legislatura: “A contingentação é um problema ou uma garantia para os taxistas?”. Para já parece ser uma garantia de que têm um rendimento superior ao que teriam sem esses limites. O Estado continua a proteger o modelo de negócio dos taxistas e os taxistas deveriam aproveitar essa protecção para se preparem para o que aí vem. Basta olhar para a realidade. Os seus adversários são invencíveis e não são apenas as plataformas electrónicas. Basta olhar para o que se passa em Lisboa.

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Quem vive em Lisboa tem actualmente um alargado menu, para escolher como vai de um ponto para outro da cidade, sem usar um carro Uber e sem ter qualquer meio para se movimentar. Pode ir a pé, óbvio, uma escolha hoje, até, mais valorizada que no passado. Pode ir de bicicleta, a Gira da iniciativa da Câmara de Lisboa, gerida pela Emel e que tem sido um sucesso, contrariando as previsões. Mas também pode usar as plataformas de motas – há pelo menos uma disponível. E se não gosta ou não sabe andar de bicicleta ou mota pode utilizar as plataformas de automóveis – há pelo menos duas, a Drive Now e a Emov, esta última estreada recentemente. Não precisa de ter nem bicicleta, nem mota, nem carro. Só tem de saber andar de bicicleta e ter carta de mota ou carro. Para quem tem carro há ainda plataformas de partilha de carros, como a Booking Drive que permite partilhar o seu automóvel quando não o está a usar.

Nesta breve descrição de alternativas ainda não foi citada nenhuma plataforma das que são eleitas pelos taxistas como suas inimigas. Cada um pode viajar individualmente, sem ser em transporte público, bastando para tanto que viva dentro dos limites, neste caso, do serviço que é prestado em Lisboa. Ou seja, os táxis e as plataformas de acesso a “táxis” viram a sua oferta de serviço já bastante limitada.

Que serviço, então, ainda oferecem os táxis e as empresas como a Uber ou o My Taxi? Antes desta panóplia de ofertas, o transporte individual prestava vários serviços: “vendiam” um carro por pouco tempo, conforto, tempo e motorista. Neste momento, o carro por pouco tempo, o conforto e até o tempo já podem ser facilmente “comprados” nas outras alternativas de partilha.

O único serviço que resta, realmente, e na sua totalidade para o táxi, assim como para as plataformas como a Uber, é a venda de um serviço: o de conduzir o carro. Marginalmente ainda se pode considerar que se poupa tempo. Um táxi ou um Uber são hoje basicamente um carro com motorista. Para ser usado por quem não quer conduzir – porque não gosta, não pode ou pura e simplesmente porque não lhe apetece andar depois à procura de estacionamento – ou por quem não sabe conduzir.

A prazo, com os carros que se conduzem sozinhos, até o serviço de motorista poderá ser dispensado. Mas, neste momento, ser motorista é o serviço que sobrou com a onda avassaladora da economia da partilha. Sem os outros serviços que prestavam, aquele que resta tem de ser de qualidade. Já não é possível pensar que o conforto ou o ganho de tempo compensará um mau motorista, que nos causa desconforto. Não é por acaso que a Uber se concentra na qualidade do serviço prestado pelo motorista, é ele que é avaliado.

Estão condenados os taxistas que não compreenderem que o seu negócio mudou radicalmente, que hoje têm de oferecer um serviço de motoristas de qualidade. Mesmo sem a Uber, já têm menos clientes e terão ainda menos, à medida que estas novas gerações, que privilegiam o uso e não a posse, passem a ser a maioria. Não há governo que os consiga salvar.