Pouco depois da saída da troika, o Estado português discute um orçamento que se assemelha a uma festa do dia das bruxas, preparando-se para em ano de eleições distribuir uma caixa de rebuçados a uma população necessitada de verdadeiro progresso económico.

Entre as alterações previstas na proposta de OE para 2019, ao lado da atualização do “mínimo de existência” e do ajustamento às remunerações de trabalho suplementar de maneira a não sofrerem uma retenção na fonte ligeiramente maior no mês em que são pagos, temos a ausência da habitual atualização dos escalões das taxas progressivas em função da inflação, o que significa em termos líquidos um ligeiro aumento de impostos. Por outro lado, institui-se com algum triunfalismo um novo regime de tributação para ex-residentes que não tenham sido residentes nos três últimos anos, oferecendo-lhes uma isenção de 50% no ano de regresso e nos quatro anos seguintes, o que não deixa de nos fazer interrogar se a verdadeira razão da medida não será evitar que aqueles, regressando passados cinco anos, beneficiem do regime do residente não habitual. Vistas as coisas deste modo, mais que a criação de um benefício para chamar portugueses que emigraram no tempo das políticas de austeridade impostas pela troika, temos na verdade uma medida desenhada para evitar que os retornados beneficiem de um regime criado para atrair outro tipo de clientela fiscal.

No IRC a proposta também não toca muito, o que não deixa de ser um bom sinal em atenção ao valor da estabilidade fiscal tão essencial à livre iniciativa económica. No entanto, longe de acabar como o pagamento especial por conta, como tem vindo a ser anunciado pelos órgãos de comunicação social, prevê-se sim a dispensa da sua entrega às entidades que o solicitem, desde que tenham cumprido todas as suas obrigações declarativas dos últimos dois exercícios. Ao mesmo tempo, dá-se mais uma machadada no lucro real, agravando-se mais uma vez as taxas de tributação autónoma.

E como não existe margem eleitoral para aumentar impostos, que é como quem diz, como não é possível operar no paciente sem o acordar, dá-se ao Governo autorização legislativa para criar um novo imposto da proteção civil desenhado para contornar os recentes chumbos do Tribunal Constitucional às taxas criadas para custear os dispendiosos gastos com a proteção civil, o que na prática será mais um adicional ao IMI, a suportar por todos os proprietários de imóveis.

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Basta que o contexto económico do Estado se altere e permaneça sob pressão durante tempo suficiente, para que a própria estrutura dos impostos sofra pressão para alterar-se em conformidade. Hoje assistimos impavidamente à transformação do nosso Estado fiscal num Estado-dívida, onde ao invés de serem privilegiados os impostos sensíveis à situação individual de cada um – como o IRS e o IRC –, exploram-se as potencialidades anestesiantes dos impostos cegos, como a nova contribuição da proteção civil, o IVA e o ISV, que não só não têm uma consideração compreensiva sobre a capacidade contributiva de cada um, como penalizam principalmente os contribuintes com menos rendimentos disponíveis.

Enquanto o excessivo peso dos impostos indiretos continuar a agravar a injustiça fiscal e enquanto o Estado continuar a brincar com a sua excessiva exposição aos riscos externos de aumento do preço do petróleo e da instabilidade dos mercados, estarão criadas as condições para uma exposição tóxica a situações às quais nem o Estado, nem nós seremos capazes de acudir. Nessa altura, é de esperar que os políticos irresponsáveis por esta falta de planeamento atirem a culpa aos mercados, recorrendo à velha técnica da negação plausível (plausible deniability), tão em voga nesta era pós-verdade.

 Advogado; jaogando@sgfc-law.pt