A Assembleia Municipal de Lisboa aprovou, no passado dia 11, a proposta de criação de um museu (ou, em português bué, “uma estrutura polinucleada”), dedicado aos Descobrimentos. Já era tempo!

Por uma feliz coincidência, ocorre neste ano o 500º aniversário da bula papal pela qual Leão X, correspondendo a um pedido de D. Manuel I, acedeu a elevar ao episcopado o presbítero congolês D. Henrique, filho de D. Afonso I, rei do Congo. Embora a sua ordenação episcopal só tenha acontecido no 1º de Dezembro de 1520, foi este D. Henrique o primeiro bispo católico indígena da África subsariana.

Um tal feito, entre tantos outros, ficou-se a dever aos descobrimentos portugueses, que alguns, certamente por crassa ignorância ou escasso patriotismo, gostam de denegrir. Para os contradizer, não é preciso exagerar as gestas dos descobridores lusitanos: a mera narração dos seus feitos é mais do que suficiente para concluir a sua grandeza. Neste tempo, em que muitos se orgulham do que os deveria envergonhar, também há quem se envergonhe das glórias da história de Portugal. A este terrorismo ideológico não se deve responder com fundamentalismos nacionalistas mas, apenas e só, com a verdade.

Foi em 1483 que Diogo Cão colocou um padrão na foz do rio Zaire, o primeiro levantado nas descobertas, a assinalar a chegada da armada portuguesa. Em demanda das terras do prestes João e de outras nações cristãs, entraram então os portugueses em contacto com o reino do Congo, com o qual Portugal logo estabeleceu óptimas relações. Não teria sido difícil àqueles homens submeter as tribos locais, ou expulsá-las dos seus territórios, para nessas terras estabelecer um domínio da coroa portuguesa, como outras potências coloniais amiúde fizeram. Não foi essa, contudo, a política dos nossos descobridores.

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Com efeito, a presença lusitana no reino do Congo foi, desde os primórdios, pautada pelo respeito pela nação congolesa e pelo seu monarca, que o Venturoso trata sempre como alguém igual em dignidade. Não há, da parte de Portugal, nem do seu soberano, nenhuma prepotência, nenhuma arrogância paternalista, nenhum oportunismo mercantil, nenhuma atitude imperialista ou, sequer, colonialista, mas apenas o propósito de estabelecer fraternas relações entre os dois povos. É neste sentido que se pode e deve dizer que as descobertas portuguesas foram diferentes de todas as outras e, portanto, justifica-se plenamente um museu que as recorde e celebre.

Não se pense que, em relação ao Congo, tudo foi fácil: não foi chegar, ver e vencer, segundo o famoso dito de Júlio César. Embora o monarca congolês, D. João Manicongo – forma portuguesa abreviada de Muéni-Congo, que significa senhor do Congo – tivesse inicialmente aderido à fé católica, sendo logo baptizado, bem como muitos fidalgos da corte, nem todos se converteram. Com efeito, um filho do monarca, de seu nome indígena – como não se batizou, não teve outro – Mpanzu-a-Quitima, nunca aceitou ser cristão, tendo permanecido fiel à ancestral religião pagã congolesa. Como ele, também outros recusaram o baptismo, o que prova que as conversões não foram forçadas e que, portanto, se dava aos autóctones a liberdade para abraçar, ou não, a fé cristã. Mesmo aqueles que livremente foram baptizados, foram também depois deixados em plena liberdade quanto a essa sua opção: quando o rei D. João foi advertido de que, como cristão, não poderia manter as várias mulheres que então tinha como suas esposas, apostatou, bem como muitos outros cortesãos, que também se quiseram manter polígamos e, portanto, igualmente renegaram a fé cristã.

É aliás como apóstata impenitente que o rei D. João morre, por volta de 1505, iniciando-se então uma fratricida guerra pela sucessão ao trono: por um lado, Mbemba-a-Nazinga, que foi baptizado com o nome de Afonso, e, pelo outro, o já referido Mpanzu-a-Quitima. Felizmente, ganhou o pretendente cristão, que veio a ser el-rei D. Afonso I.

D. António Barroso, o bispo missionário que a primeira república portuguesa perseguiu e desterrou, disse que, quando ainda se mantinha a monarquia congolesa, qualquer súbdito desse reino sabia o nome de três reis: o reinante, o antecessor e D. Afonso I. Foi este “um homem de génio, um cristão, um herói”, não apenas nas horas felizes do seu reinado, mas também quando, tendo seu pai apostatado, foi por ele perseguido, desterrado e deserdado, e sofreu, por fidelidade a Cristo e à Igreja, “mil milhões de ameaças e injúrias”, como o próprio escreveu ao rei D. Manuel I.

Segundo o Padre António Lourenço Farinha, “no Congo, como posteriormente na Abissínia e no Japão, não guiou os portugueses a ideia de conquista”, nem o afã comercial. Com efeito, quando Simão da Silva foi despachado, em 1512, como embaixador português junto do rei do Congo, “não levava a incumbência de efectuar carregamentos de especiarias ou pedras preciosas, que tanto deslumbravam a Europa nessa época”.

Em 1491 já havia, no Congo, uma escola para ensinar os nativos a ler e escrever, que era dirigida por um autóctone, um dos primeiros que Diogo Cão trouxe para Portugal, para que aprendessem gramática e doutrina cristã. Segundo se lê na ‘Relação do Capitão Garcia Mendes Castelo Branco’, arquivada na Biblioteca da Ajuda, no primeiro quartel do século XVII existiam no Congo “muitos naturais, grandes latinos e clérigos, e clérigos filhos da própria terra”. Um sobrinho de D. Afonso I e seu homónimo, destacou-se tanto no seu saber que obteve, por portaria de 6 de Julho de 1533, o diploma de professor de Gramática na metrópole, tendo lecionado numa escola pública de Lisboa.

Em boa hora, a assembleia municipal olisiponense decidiu avançar com o Museu dos Descobrimentos portugueses. Em atenção aos ressabiados da história de Portugal, conceda-se-lhes uma esconsa arrecadação, onde possam exibir os seus complexos de inferioridade e carpir as suas atávicas culpas pelos crimes de outrora. Mas melhor seria que expiassem a ‘exemplar descolonização’ e, já agora, se penitenciassem pelas suas ofensas à verdade histórica e à memória e glória de Portugal.