Em 2010, a União Europeia lançava a Estratégia 2020, “uma visão para uma economia social de mercado”, que assenta num crescimento simultaneamente inteligente, sustentável e inclusivo. Para monitorizar estes objetivos, a UE criou um novo instrumento estatístico: o Inquérito às Condições de Vida e do Rendimento, ou Survey on Income and Living Conditions.

Trata-se de um inquérito representativo anual, realizado em todos os países da União, que recolhe informação em cinco áreas-chave: emprego, investigação e desenvolvimento, alterações climáticas e energia, educação e, finalmente, pobreza e exclusão social.

O ano de 2020 trouxe um aumento do risco de pobreza médio da União de 2,2 pontos percentuais. Portugal registou uma taxa de risco de pobreza superior à média da UE (16,8% vs. 18,4%).

Taxa de risco de pobreza: percentagem de pessoas com um rendimento monetário equivalente inferior ao limiar de pobreza. De acordo com a definição usada pelo Eurostat, este limiar corresponde a 60% da mediana do rendimento disponível (ou seja, após transferências sociais) por adulto equivalente de cada país.

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Portugal cumpriu o compromisso de retirar 200 mil pessoas da pobreza e exclusão social até 2020: existiam menos 721 mil pessoas pobres ou em situação de exclusão social em 2019 do que em 2007. Contudo, em 2020, a taxa de risco de pobreza ou exclusão social é de 22,4%, o que representa um aumento de mais de 250 mil pessoas face a 2019, pelo que existem, ainda, mais de 2,2 milhões de pessoas em risco de pobreza ou exclusão social. Este valor, que representa mais de um quinto da população, convoca uma reflexão aprofundada sobre este tema.

Em 2007, este valor era de 4 886 € anuais, ou 407 € mensais. Em 2020, este limiar equivalia a 6 653 € anuais, ou 554,4 € por mês, um aumento de 14 € relativamente ao ano anterior.

Todavia, há muitas nuances a ter em conta quando fazemos manchetes com um determinado valor.  Deve-se olhar pelo prisma do rendimento equivalente. Que corresponde ao rendimento da família, tendo em conta que a partilha de recursos no seio de um agregado familiar origina ganhos de escala vários. Há vários gastos familiares que não variam com dimensão da família (ex: fornecimento de internet) ou que variam pouco (ex: aquecimento da casa ou iluminação). A própria dimensão da casa não aumenta proporcionalmente com a dimensão do agregado, dado que as pessoas partilham espaços comuns.

Daí a necessidade de usar a  escala de equivalência modificada da OCDE, de acordo com a qual o primeiro adulto tem um peso de 1, os adultos seguintes têm um peso de 0,5, e cada criança tem um peso de 0,3 na composição do agregado familiar. As variáveis do rendimento familiar são divididas pela soma destes pesos. Assim, a família Silva, com dois adultos e duas crianças e um rendimento de 2100 € tem um rendimento equivalente de 2100/(1 + 0,5 + 0,3 + 0,3) = 1000 €. Ou seja, esta família equivale a um adulto que viva só e aufira um rendimento de 1000 €. Existem linhas de pobreza diferentes para diferentes tipos de família? Sim. Na prática, o cálculo do rendimento por adulto equivalente implica que há diferentes linhas de pobreza para diferentes tipos de família. Assim, uma pessoa adulta a viver sozinha é considerada pobre se o seu rendimento disponível mensal é inferior a 554 €. Da mesma maneira, uma família monoparental com uma criança é considerada pobre se o rendimento disponível mensal do agregado for inferior. Para uma família com dois adultos e uma criança, este valor é de 997 €, e para uma família com dois adultos e duas crianças é de 1 163 €.

Em suma, definir um valor é redutor. A pobreza monetária é apenas uma faceta, temos mais variáveis, como a pobreza energética, a privação material severa… Importa avaliar as condições de vida, ter uma visão de economia social, que vai para além da mera definição de montantes.