Era grave, cheia de força e com um poder vocal que ia daqui até à China. Era das vozes que não enganavam. Mesmo que não se soubesse de quem vinha, reconhecia-se à primeira, soava a familiar. E a culpa estava nos golos. Dos mil e um que relatou, à boleia de gritos, de entusiasmo e de um ritmo que lhe dava o dom de cativar todo e qualquer ouvido. Era aí, no golo, no momento em que o futebol celebra, que mais encantava. Como fez em 2004, no Estádio da Luz, quando viu Ricardo, um guarda-redes, a marcar a outro, ao da Inglaterra, quando a seleção nacional ganhou nos penáltis nos quartos-de-final do Europeu. Aí não gritou golo — berrou “Portugal! Portugal! Portugal!” até a voz lhe falhar.

Jorge Perestrelo era assim mesmo: vivia e relatava tudo de alma cheia, como se de um adepto se tratasse. Fosse qual fosse a equipa. Cumpre-se esta quarta-feira uma década da sua morte, desde o tal 6 de maio de 2005 em que um enfarte do miocárdio lhe calou a voz.

No dia anterior ainda estava de headphones na cabeça e de microfone na mão, a relatar, sem saber, o último golo da sua vida — o que Miguel Garcia marcou, meio com o ombro, meio com a cabeça, em Alkmaar, na Holanda, que apurou no último minuto o Sporting para a final da Taça UEFA. Aí sim, não se cansou de gritar e repetir “Golo!”, antes dizer: “Te amo Sporting!”

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Estes são dois — entre inúmeros — exemplos de como Jorge Perestrelo, jornalista e locutor desportivo, usava a voz como um pincel para colorir o que via. Foi na SIC e na TSF, onde passou largos anos da carreira, que celebrizou expressões como “Ripa na Rapaqueca” ou “É disto que o meu povo gosta”. Quando via no relvado alguém a falhar um golo feito ou a fazer algum disparate, era comum questionar: “O que é que é isso ó meu?”

Foram 56 anos a relatar com um estilo “emocionado, vibrante e muito alegre”, como chegou a descrever Emídio Rangel. “A maneira de narrar o futebol, as palavras que inventou para descrever toda a emoção no futebol, morrem com ele, sem dúvida. Ele é inimitável”, acrescentaria o fundador da SIC.

https://www.youtube.com/watch?v=j6nHzxKv5_8

Jorge Perestrelo nasceu em 1948 na cidade de Lobito, em Angola. Começou a trabalhar no Rádio Clube do Lobito, antes de passar para o Rádio Clube do Moxico e pela Rádio Comercial Sá da Bandeira. Em 1975 viajou para o Brasil e, dois anos volvidos, foi para Portugal, onde deu voz a relatos na Rádio Comercial e no Rádio Clube Português, antes de chegar à TSF. A partir de 2003 colaboraria com a SIC.