Oh lord, won’t you buy me…“, já sabemos o que vem de seguida, o tal do Mercedes Benz tão desejado na América. Apesar de ter morrido aos 27 anos, Janis Joplin tornou-se numa artista intemporal com uma carreira fértil, a solo e com os psicadélicos Big Brother and the Holding Company. E esta é uma das suas canções mais icónicas.

Considerado por muitos como a magnus opus da sua carreira, o disco “Pearl”, de 1971, lançado três meses após a sua morte, contém esta canção, a mais conhecida de Janis Joplin. “Mercedes Benz”, a terceira faixa do lado B de “Pearl”, é um momento intrigante do disco: Janis, apenas acompanhada pelo barulho das suas pulseiras e pelos batuques do pé no chão com que marca o ritmo, canta uma oração irónica, com todos o ar dos pulmões, pedindo uma “televisão a cores”, “uma noite na cidade” e um “Mercedes Benz”.

Mas, e se este momento alto do disco fosse, nada mais nada menos, que um acidente?

“Mercedez Benz”, canção intemporal de Janis Joplin, foi, de facto, um acaso, como agora se contou no Wall Street Journal. Nasceu durante um serão nova-iorquino, cheio de álcool e rimas improvisadas. Joplin não parou de a cantar nos meses seguintes e, por aborrecimento, cantou-a também  à capella entre as gravações de Pearl, sem pretensão de a incluir no disco.

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Joplin morreu de overdose três dias depois de terminar a gravação. Aquele pequeno pedaço de brincadeira de estúdio foi aproveitado, tornando-se no tema mais conhecido da artista norte-americana.

Uma canção anotada num guardanapo de bar

A história situa-se no verão de 1970. Janis estava em digressão com os Full Tilt Boogie Band e tinha dois concertos marcados em Nova Iorque. O primeiro a 8 de agosto, no Capitol Theatre, em Port Chester, e o outro a 12 de agosto, no Estádio de Harvard. Durante a sua estadia nova-iorquina, Joplin aproveitou para rever Bob Neuwirth, cantautor e seu amigo de longa data.

Janis queria-se divertir umas horas antes do concerto no Capitol. Bob Neuwirth conhecia a atriz Geraldine Page, da qual Joplin era fã. Pelas 16h, Neuwirth surpreendeu Janis Joplin ao apresentá-la a Page e ao seu marido. Antes do concerto foram beber uns copos ao El Quijote, um restaurante espanhol do hotel onde Joplin estava hospedada. Pelas 19h, a banda estava a fazer o soundcheck e Janis estava com o grupo de amigos a fazer tempo com passeios pela cidade. Joplin, Neuwirth, Page e o marido foram para um bar chamado Vahsen e todos estavam muito divertidos.

“Janis e Geraldine criaram uma ligação forte, e estávamos a dar-nos todos bem. Chegou a um ponto da noite em que Janis cantava ‘Oh Lord, won’t you buy me a Mercedes Benz‘”, lê-se em declarações de Bob Neuwirth, ao Wall Street Journal.

“Geraldine e o seu marido acompanharam a música batendo com as suas canecas de cerveja na mesa. Parecíamos uns marinheiros. A Janis inventou as primeiras palavras do primeiro verso. Eu fiquei com a responsabilidade de anotar a letra num guardanapo do bar. Janis também criou o segundo verso sobre a ‘televisão a cores'”, acrescentou.

Aparentemente, Joplin estava viciada na frase “Oh Lord won’t you buy me a Mercedes Benz” há algum tempo. A cantora tinha ouvido o tema pela voz do seu amigo Michael McClure, conhecido poeta, cantor e ícone da geração Beat. O vicío pela conhecida frase que abre a canção foi notado por vários artistas que conviviam com a artista norte-americana. Um deles foi Bobby Womack, que o recorda no seu livro “Midnight Mover”, quando deu boleia a Janis no seu Mercedes Benz: “Ela prontamente começou a cantar [a famosa frase]”. Por várias ocasiões, Janis cantou-a ao vivo, avisando sempre que “aquilo nem sequer era uma canção”, segundo recorda Neuwirth.

Tudo gravado por aborrecimento

No dia 1 de outubro, os Full Tilt e Janis estavam a gravar o “Pearl” no estúdio Sunset Sound em Los Angeles. Durante as gravações, uma falha técnica forçou a banda a parar de gravar. Janis, aborrecida e ansiosa, estava na cabine de gravação à espera que o problema resolvesse. A solução para o seu aborrecimento foi cantar essa mesma linha que tanto ela repetia.

“Eu conseguia vê-la na cabine de gravação de gravação. A Janis começou a bater o pé no chão, com as suas sandálias. As pulseiras voavam de um lado para o outro, fazendo barulhinhos que criavam o som rítmico que se ouve no disco. Os olhos dela estavam semicerrados, como se ela estivesse longe. Quando ela terminou a cantoria, disse apenas “pronto, é isto”, soltando a sua famosa gargalhada. Ela surpreendia-se constantemente”, relembrou Brad Campbell, baixista dos Full Tilt, banda que acompanhava a voz de Joplin.

O problema técnico foi resolvido, conseguindo preservar a gravação que hoje conhecemos de “Mercedes Benz”. Foi a última canção que Joplin gravou. Três dias depois, dia 4 de outubro, foi encontrada morta, vítima de uma overdose de heroína. O produtor Paul A. Rothchild não resistiu e usou “Mercedes Benz”, imortalizando a terceira faixa do lado B do lendário “Pearl”.

Texto editado por Filomena Martins e José Manuel Fernandes.