O cenário de um partido conseguir mais votos, mas obter menos eleitos para a Assembleia da República nunca aconteceu na democracia portuguesa. A Constituição dá leitura aberta ao Presidente da República: a quem dá posse como Governo? Ao que tiver mais mandatos ou mais votos?

Marcelo Rebelo de Sousa responde sem pestanejar: “O Presidente da República deve olhar primeiro para o número de mandatos”. Neste caso, e fazendo espelho dos resultados da sondagem da Eurosondagem para a SIC/Expresso, Cavaco daria prioridade a uma solução apresentada por Passos Coelho e Paulo Portas. Mas há mais variantes dentro deste cenário. Pode, por exemplo, ser o concretizar do sonho de Cavaco Silva, a promoção do Bloco Central: “Pode dar a hipótese de Cavaco perguntar ao PSD e ao PS, bem, e também ao CDS, ‘não querem fazer uma coligação?'”.

Contas feitas, tudo depende da opção de Cavaco. No rescaldo das eleições, e antes de tomar uma decisão, o Presidente da República chamará os partidos por ordem crescente dos resultados eleitorais. E aqui perceber-se-á logo a opção do Chefe de Estado, se será a de chamar por ordem de resultados de votos ou de mandatos. “O Presidente da República deve olhar primeiro para o número de mandatos. Imagine-se que, por absurdo, um partido ganha por um voto e perde por três ou quatro mandatos. Por isso deve olhar primeiro para os mandatos que são a projeção dos votos na Assembleia da República”. Se o Presidente assim o fizer, e tendo em conta a mais recente sondagem, chamaria primeiro os partidos mais pequenos (Livre, PDR, BE, PCP) e depois PS e por fim a coligação.

Ora se assim for, António Costa pode levar na mão logo à partida uma solução governativa com mais estabilidade no Parlamento (conseguindo formar uma coligação com algum ou alguns dos partidos mais pequenos), isto porque, tendo em conta o espectro político, será mais difícil a PSD e CDS juntarem mais algum partido à sua coligação. A incógnita será no entanto o PDR de Marinho e Pinto, que Marcelo acredita aliás, que “se vai esvaziar” nas eleições.

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Mas no início disto tudo está a vontade do Presidente da República que tem, ao longo dos anos, deixado escapar a sua preferência por um bloco central. Lembra Marcelo que “o Presidente vai primeiro apalpar terreno, mas este cenário dá-lhe a hipótese de [Cavaco] perguntar ao PSD e ao PS – bem e também ao CDS -, ‘não querem fazer uma coligação?'”. Certo é que o Presidente não vai chamar um ou outro primeiro, serão sempre os últimos a serem ouvidos e só depois decidirá.

Mas para isto acontecer, o país pode ter de esperar vários dias pelo apuramento dos resultados nos círculos da Europa e Fora da Europa, onde pode acontecer uma surpresa chamada Nós Cidadãos, que poderá roubar um eleito à coligação, que elege, por tradição, três deputados entre os dois círculos e o PS, um. Outra incógnita, lembra Marcelo, serão as ilhas: como será a maioria de votos na Madeira para o lado do PSD, que viu crescer outros pequenos partidos como o Juntos Pelo Povo; e como será a maioria nos Açores para o lado do PS.

Cavaco tem a chave na mão

No geral, todos concordam que é nas mãos do Presidente da República que estará a solução para o problema. Questionado sobre o que pesa mais num cenário de o número de um partido ganhar em número de votos mas perder em número de mandatos, tal como Marcelo, também o constitucionalista Jorge Miranda afirma à agência Lusa que “o que interessa é o número de mandatos”. O mesmo para Tiago Duarte, que acha que “seria pouco aceitável que o partido que tivesse mais deputados – ainda que sem maioria absoluta – não fosse governo”.

Mas, mais uma vez, tudo depende do Presidente da República, neste caso, de Cavaco Silva. Para Tiago Duarte o critério que deve guiar o chefe de Estado é “o da governabilidade e estabilidade perante o parlamento”, ou seja, aquele que se apresentar com uma solução governativa que tenha hipóteses mais duradouras deve ser a hipótese escolhida pelo PR.

Para o constitucionalista Bacelar de Vasconcelos, que também é dirigente socialista, no entanto, a leitura sobre o peso do número de deputados eleitos face ao número de votos conseguidos não é tão linear assim. “É o Presidente da República que tem de fazer a leitura, porque a Constituição não dá mais valor ao número de votos do que ao número de mandatos”, ou vice-versa. “Terá de ouvir os partidos e fazer uma leitura dos resultados eleitorais a partir daí”, afirma ao Observador.

Mas isto acontecerá numa altura em que o Presidente da República está na reta final do seu mandato e, portanto, já não estará no exercício de todas as suas funções. Não pode, por exemplo, dissolver o Parlamento e terá de dar a chave de São Bento a quem lhe der maiores garantias de estabilidade. Bacelar Vasconcelos alerta para uma eventualidade de o país, nesse cenário, mergulhar numa “crise política”, antevendo-se tempos difíceis para a governação.

Ao Observador, o constitucionalista alerta, no entanto, para o facto de a sondagem ser precisamente isso, uma sondagem, com um elevado grau de especulação, nomeadamente no que diz respeito à conversão do número de votos em mandatos. “É muito impreciso” fazer essa conversão, círculo a círculo, com base em resultados de sondagens. Entra-se no domínio “da especulação”, alerta.