Avaliando a evolução dos videojogos até à era dourada dos MMORPGs (massively multiplayer online games) na década passada, quase que seria possível afirmar que todos os avanços tecnológicos foram executados para chegar ao ponto em que existiriam mundos de fantasia virtuais coabitados pelos avatares de milhões de pessoas. Poderia ser dito, mas não seria completamente verdade.

Apesar do acrónimo MMORPG ser de difícil pronunciação, este foi um dos géneros de maior sucesso comercial da década passada e muito se deve a World of Warcraft. Não sendo o primeiro jogo de um género que reflete uma realidade antes e depois do seu surgimento, WoW, como é conhecido o verdadeiro fenómeno criado pela Blizzard, definiu os modelos comerciais, mecânicos e criativos do que deveria ser um MMO.

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Olhando para trás e analisando o surgimento deste verdadeiro sobrevivente do mundo dos videojogos, é curioso perceber que o seu lançamento ocorre num período em que os MMORPGs estavam a morrer, segundo a perceção dos analistas e críticos do mercado. Para compreender este facto temos de perceber que a massificação da internet surgiu na segunda metade da década de 1990 e com ela o sucesso comercial de MMORPGs verdadeiramente jogados, à escala global, através da Internet. Mas no início da década passada esses casos de sucesso como Ultima Online e Dark Age of Camelot começavam a perder jogadores, tanto pela falta de conteúdo jogável como pelos custos associados.

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Os MMOs, ao contrário dos jogos single player, requeriam subscrições mensais para serem jogados, valor esse que tinha de ser somado (como no caso português) aos custos dos impulsos de acesso à Internet. Por todas as questões temáticas dos ambientes destes jogos, assim como pelos custos adicionais associados a jogar online, o género era um nicho dentro de um mercado em crescimento que em nada se assemelhava ao que é nos dias de hoje.

E é nesse ambiente aparentemente de queda do género que a Blizzard pega numa das suas Propriedades Intelectuais – a série de estratégia Warcraft – e transformou-a num mundo partilhado online definindo, a partir do seu nascimento em 2004, o padrão com a qual os jogos do género se deveriam pautar.

World of Warcraft, ou WoW como é referido por toda a gente, tornou-se um verdadeiro fenómeno à escala global, sendo utilizado como referência em inúmeros filmes e séries como How I met your Mother e South Park. Histórias de adição extrema correram o mundo, assim como tantas outras que povoaram a Internet, como o funeral virtual para um jogador que morreu (na vida real) e que foi (virtualmente) invadido pelos seus inimigos, diversos casamentos de casais que se conheceram em jogo ou o famoso grito de guerra “Leroy Jenkins” são apenas algumas das histórias partilhadas pelas mais de 100 milhões de pessoas (segundo números da Blizzard Entertainment) que jogaram o jogo.

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Os MMORPGs, que estavam aparentemente a morrer, ganharam não só um novo fôlego como atingiram o seu maior pico de sucesso, com centenas de outros jogos a tentarem competir com este sucesso comercial, e sempre com a promessa de marketing de destronar o famoso título. Desnecessário será dizer que quase doze anos depois essa promessa não só não foi cumprida como o próprio género acabou por implodir, onde todos os jogos rapidamente tiveram de desistir da ideia de cobrar mensalmente aos seus jogadores e passaram para um modelo gratuito. O que, surpreendentemente, incluiu MMOs de franquias famosas como Star Wars e DC Comics que em alguns meses após os respetivos lançamentos tiveram de desistir de cobrar mensalidades aos seus jogadores.

World of Warcraft está longe dos 11 milhões de subscritores (pagantes) anunciados em 2010, mas mantém, segundo números oficiais, cerca de 5 milhões de jogadores regulares. Jogadores estes, que ainda hoje pagam cerca de 12€ por mês para o jogar, o que não só significa uma tremenda história de sucesso como de resistência comercial.

Como referimos, o mercado dos videojogos mudou muito desde o lançamento no mercado de World of Warcraft. O perfil dos jogadores também se alterou bastante nestes quase 12 anos e é possível que a última expansão — Legion — lançada há poucas semanas, apenas alguns meses depois do filme Warcraft chegar aos cinemas, seja também a última.

World of Warcraft tem a sua morte anunciada há muito tempo e, apesar dos picos de jogadores aquando do lançamento de novo conteúdo, o número de subscritores tem vindo a diminuir drasticamente de ano para ano. O que é perfeitamente compreensível para um jogo que cumprirá 12 outonos no próximo mês e que já viu, literalmente, gerações distintas de jogadores a pisarem pela primeira vez o seu mundo virtual.

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WoW é e sempre será o verdadeiro bastião dos MMORPGs e dos mundos virtuais onde os jogadores convivem através de avatares heróicos numa terra comum, com aliados e inimigos. E quando ele desaparecer talvez desapareça consigo o género, apenas para ser substituído pelo mais recente passo da tecnologia. Talvez mundos de Realidade Virtual, onde a ideia de viver um papel seja ainda mais “realista” e mais imersivo. O que o futuro ditará não sabemos, mas nenhum outro jogo se consegue orgulhar de manter uma comunidade ativa a financiá-lo durante tantos anos. E esse, entre tantos outros méritos, é algo que nunca ninguém tirará a World of Warcraft.

Ricardo Correia, Rubber Chicken