Filha de eslovenos emigrantes na Austrália, austeros como o velho continente, Morgana Muses, hoje com 52 anos, diz que soube desde pequena com que objetivo tinha vindo ao mundo: “Aquilo que se esperava de mim é que fosse uma boa filha, uma boa esposa e uma boa mãe”.

Foi o que fez. Tímida e solitária, cresceu (em Albury, cidade no estado de Nova Gales do Sul a cerca de 300 quilómetros da capital, Camberra), sem dar uma preocupação aos pais; arranjou um marido insuspeito; e com 31 anos primeiro e aos 37 depois teve as duas filhas que achava que era suposto ter. A seguir, contou ao Viceland, o canal de TV da Vice, entrou em depressão profunda por a vida afinal ser só aquilo: “Andava a correr e a gritar feita louca, queria matar-me“.

Quando as filhas tinham 14 e 8 anos, decidiu pedir o divórcio e deixar de ser dona de casa, mas continuou a desesperar. Tanto que, dois anos depois, sozinha e mais deprimida do que nunca, fez outra resolução: ia mesmo matar-se. “Sentia que não havia nada por que valesse a pena viver”, confessou.

Antes, e para celebrar a ocasião, que seria simultaneamente a da sua morte e do seu 47º. aniversário, Morgana contratou um acompanhante. Podia estar divorciada há apenas um par de anos mas não tinha sexo há uma dúzia deles, queria voltar a “ter intimidade com alguém”, contou também ao britânico The Guardian. Como “não tinha confiança para sair e ir a um bar, conhecer alguém”, preferiu pagar.

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Apesar disso, planeou o encontro com John, um licenciado bem-parecido então com 39 anos, como se não houvesse qualquer transação envolvida, apenas amor e romance. Reservou um quarto no Shangi-La, um hotel de 5 estrelas em Sydney, marcou mesa num restaurante de luxo e comprou bilhetes para o teatro: Richard III, com Kevin Spacey, era a peça em cena no Lyric Theatre. “Queria que fosse perfeito porque a seguir ia voltar para casa e ia suicidar-me.”

Mais do que perfeito, disse ao Viceland, foi “life-changing”. E não apenas por causa do sexo: “Não me interpretem mal, o sexo foi maravilhoso, mas foi mais do que isso. O melhor momento foi quando ele me deu a mão no teatro, parecia uma adolescente outra vez. E pensei: ‘Que diabo, quero mais disto!'”.

Em vez de se matar, Morgana foi para casa pensar em formas de ter mais daquilo — idealmente sem ir à falência. Nos primeiros tempos, continuou a pagar para sair com John, que a acompanhava a eventos como o Festival Xplore (que entretanto mudou de nome para The Sydney Festival of Really Good Sex) e a introduziu na cena kinky de Sydney, depois ficaram amigos.

Foi com ele que falou, já eram frequentes as viagens que fazia a Berlim para participar em encontros das comunidades kinky e sadomaso, quando viu um anúncio ao concurso de curtas eróticas para novos realizadores organizado pela alemã Petra Joy, galardoada e reconhecida realizadora feminista. “A brincar, disse-lhe que tinha uma ideia para um filme.”

John não só alinhou como trouxe um amigo para ajudar e em poucos dias tinham “Duty Bound“, um filme autobiográfico sobre uma mulher de 47 anos que decide marimbar-se para aquilo que a sociedade espera dela e embarcar numa viagem de auto-conhecimento sexual, pronto a enviar. “Mandámos no último dia do prazo… E ganhámos!”, contou entusiasmada ao Viceland.

Foi o primeiro de muitos prémios: desde que em 2012 arrecadou o galardão Petra Joy, Morgana Muses criou uma produtora, a Permission4Pleasure, e escreveu, produziu e protagonizou uma série de outros filmes, que também foram reconhecidos pela crítica. Em 2015, por exemplo, com 50 anos, recebeu o dildo azul de “Heartthrob of the Year” (qualquer coisa como o “Galã do Ano”) nos Good for Her, os prémios feministas da pornografia.

Pelo meio, a mãe deixou de lhe falar — “Disse-me que eu era uma desgraça” –, mas pelo menos as filhas, hoje com 21 e 15 anos, aceitaram o seu novo trabalho. “A minha filha mais velha disse-me três coisas apenas. Perguntou-me se eu ia ganhar dinheiro e se estava feliz — e eu respondi-lhe que sim. A seguir só me pediu para não lhe contar mais nada, e eu percebo, pensava o mesmo em relação aos meus pais.”

Ao Viceland, Josie Hess, que tal como Isabel Peppard, se juntou a ela na produtora — as três estão a co-realizar o documentário “Morgana”, atualmente em fase de crowdfunding –, explicou que apesar de inicialmente terem pensado que os filmes da Permission4Pleasure iam ser vistos sobretudo por pessoas acima dos 40 anos, são os mais jovens, entre os 21 e os 35, os maiores fãs.

Isso não quer dizer que Morgana, hoje com 52 anos, seja uma estrela porno consensual. Como o The Guardian descreve, a chegada da atriz — cabelo azul-turquesa, botas de salto agulha e vestido coleante comprido mas com aberturas até às coxas — ao Festival de Cinema Pornográfico de Berlim esteve longe de ter sido feita em apoteose. Pior: houve até quem não tivesse conseguido (ou querido) conter uma gargalhada maldosa. Nada que tenha apoquentado a ex-dona de casa deprimida e com tendências suicidas, que subiu ao palco e agarrou no microfone: “Podes rir à vontade, mas, querida, eu também já fui uma criatura jovem e fabulosa — e tu vais ter a minha idade um dia”.