Os números surgiram quando, no início de julho, foi divulgada a Conta Geral do Estado, relativa ao ano de 2016: o valor das cativações tinha sido de 942,7 milhões de euros, mais do dobro do prometido à Comissão Europeia e o valor mais alto desde, pelo menos, 2004. Esta quinta-feira, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental deu força a este número, avançando que 2016 foi o ano em que houve maiores montantes cativados nos últimos oito anos. Em função disto, o CDS já fez saber que quer mais “transparência”, propondo que a lei de enquadramento orçamental diga que tem de estar expresso nos boletins de execução orçamental todos os montantes previstos de cativações ministério a ministério, programa a programa.

A proposta surgiu depois de a UTAO ter publicado ontem um relatório que revela que em 2016 foi atingido o pico de cativações dos últimos oito anos. Em declarações à agência Lusa, o deputado do CDS João Almeida avançou que vai propor uma alteração à lei de enquadramento orçamental para se saber no detalhe “onde não está a ser gasto o dinheiro” inicialmente previsto no Orçamento do Estado.

Défice histórico conseguido com 942,7 milhões de euros em cativações

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“O Governo faz austeridade nas costas dos portugueses, o que entendemos ser perverso”, defendeu o deputado centrista, avançando que o CDS tem “uma iniciativa para que isso não se possa repetir”. Trata-se de um projeto de lei, que deverá ser debatido antes das discussões do Orçamento do Estado para 2018, onde é pedido que nos boletins de execução orçamental mensais sejam incorporados os valores “ministério a ministério, organismo a organismo” que estão a ser cativados.

“O Orçamento [de 2016] que foi aprovado na Assembleia da República pelo PS, PCP e BE não foi o orçamento executado. Os portugueses não tiveram acesso ao que estava previsto que tivessem, nomeadamente em áreas como a Saúde”, criticou ainda João Almeida.

O ano de 2009 foi aquele em que houve montantes cativados menores (624 milhões de euros) e 2016 foi o ano em que houve maiores montantes cativados (1.746,2 milhões), nos últimos oito anos, segundo a UTAO. Na nota sobre a execução orçamental até junho, em contabilidade pública, a que a Lusa teve acesso na quinta-feira, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) analisou as cativações de despesa feitas pelos vários governos ao longo dos últimos oito anos e concluiu que, “para o período analisado, os montantes cativados variaram entre um valor mínimo de 624 milhões de euros, em 2009, e 1.746,2 milhões de euros, em 2016”.

Quanto à taxa de utilização, em 2013 foi de 66,5% já que “permaneceram apenas 252,2 milhões de euros por descativar” e, em 2010, foi de 40,3% quando “foram descativados 554,4 milhões de euros e permaneceram por utilizar 822,9 milhões de euros. Olhando para o ano passado, verifica-se “uma taxa de utilização de 46%”, uma vez que foram descativados 803,6 milhões de euros, tendo ficado por utilizar até ao final do ano 942,7 milhões de euros.

A cativação de dotações de despesa consiste na “retenção de verbas” já previstas no Orçamento do Estado, que se traduz numa “redução da dotação utilizável pelos serviços e organismos”, na medida em que a sua libertação – a chamada descativação – “é sujeita à autorização do Ministro das Finanças, que decide em função da evolução da execução orçamental e das necessidades de financiamento”.

Dentro dos cativos totais, há a reserva orçamental, que corresponde a uma percentagem do orçamento de cada serviço e está inserida no agrupamento ‘outras despesas correntes’, e além disso, há ainda a dotação provisional, concentrada no Ministério das Finanças, e que serve para fazer face a despesas imprevistas e inadiáveis, sendo que “tanto os cativos como a dotação provisional atribuem uma margem de discricionariedade e flexibilidade ao processo de gestão orçamental”.

Na Conta Geral do Estado (CGA) de 2016, a Direção-Geral do Orçamento deu conta de que houve 942,7 milhões de euros em cativos finais no ano passado, uma situação relativamente à qual o ministro das Finanças, Mário Centeno, foi questionado no parlamento por todos os partidos da oposição, incluindo os que apoiam o Governo na Assembleia da República.

Cativações de Centeno descativaram a esquerda

Na altura, quando foi divulgada a Conta Geral do Estado e os partidos foram surpreendidos por um valor mais elevado do que pensavam ao nível das cativações, os parceiros parlamentares do Governo ficaram apreensivos. Ainda esta semana, em entrevista ao jornal Público e rádio Renascença, o líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, disse que ficou “desconfortável” com o nível de cativações orçamentais que o Governo de António Costa aplicou em 2016, sugerindo que o Executivo não tinha “mandato” para o fazer.

Na opinião de Pedro Filipe Soares foi uma execução “draconiana” no que a este tipo de cortes diz respeito — e tudo se deveu, diz, à “paranóia do défice”, que levou a que o Governo tenha decidido tomar medidas com as quais o BE diz não concordar, como o “perdão fiscal” às grandes empresas. Pedro Filipe Soares explicava que “as cativações são um meio de controlar a execução orçamental. Sempre existiram, mas o que este Governo fez foi uma dupla cativação: as que estavam previstas no OE e, para juntar a estas, as que vieram do decreto de lei de execução orçamental. O OE sai da Assembleia e depois, por sua iniciativa, o Governo fez um decreto ainda mais draconiano no que toca a cativações”.