Os deputados da Câmara dos Comuns britânica votam esta segunda-feira a controversa “EU bill“, um pacote legislativo que, na opinião dos críticos de Theresa May, é um “assalto ao poder” por parte da primeira-ministra e, em contraste, na opinião do ministro do Brexit, é um passo decisivo para evitar uma saída “caótica” da União Europeia. O que está em causa?

Depois de dois dias de debate, o pacote legislativo será votado esta segunda-feira à noite. A proposta é conhecida como a “EU repeal bill” – isto é, legislação que serve de base para o abandono da União Europeia por parte do Reino Unido. Em termos simples, o que se pretende numa primeira fase é copiar toda a legislação europeia para a lei britânica (tal e qual como existe hoje em dia). Uma vez transferida toda a legislação europeia — conhecida como European Communities Act –, o governo e o parlamento britânicos ficam livres para, a partir daí, fazer alterações.

Esta é a ideia básica, mas são díspares as interpretações sobre o que implicações este passo pode trazer. Theresa May e o partido conservador dizem que este passo é essencial para “take back control” (o slogan da campanha dos defensores do Brexit), isto é, “recuperar o controlo”. A primeira-ministra defende que esta proposta legislativa “irá assegurar que as nossas leis passam a ser feitas em Westminster e não em Bruxelas” — e “os juízes que interpretam as leis deixam de estar no Luxemburgo e passam a estar nos tribunais deste país”. “A autoridade da lei europeia no Reino Unido acaba“, resume Theresa May.

O ministro do Brexit, David Davis, coloca a pressão não pela positiva mas, ao invés, opta por fazer um alerta: “um voto contra esta proposta é um voto para uma saída caótica da União Europeia”, escreveu o responsável num comunicado difundido no domingo.

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As empresas e as pessoas precisam de ter a segurança de que não irá haver alterações inesperadas às nossas leis, depois do dia da saída [da UE], e é exatamente isso que esta proposta legislativa traz. Sem esta legislação, estaríamos a caminhar para um abismo de incerteza que não seria do interesse de ninguém”.

O problema é que transferir toda a legislação europeia para lei britânica é tudo menos fácil. Há quantidades imensas de legislação que já se enraizou na legislação britânica e separar as duas será um verdadeiro pesadelo burocrático. Segundo a UE, existem cerca de 20 mil leis europeias em vigor, das quais só um quarto — cerca de 5.000 — se aplicam de forma igual em todos os Estados-membros.

A questão de fundo é que ainda não se sabe que legislação é que vai ser mantida, qual é que vai ser replicada e qual é que vai para o lixo. Um exemplo: se May garante que quer ter um acordo de livre comércio com a União Europeia, mesmo depois da saída, isso irá significar, provavelmente, que muita legislação europeia terá de ser mantida — é isto que está a ser negociado entre David Davis e a equipa de Michel Barnier, do lado europeu.

Na prática, esta questão ilustra a dificuldade que irá haver em concluir todo este processo nos dois anos previstos para a saída de um país da UE. Parece relativamente óbvio que os 18 meses que faltam para o dia da saída não serão suficientes para gerir todo este processo — e é por isso que a proposta legislativa foi escrita de uma forma que ajudará Theresa May a tornar mais expedito este processo.

É precisamente aí que nasce a polémica. A legislação está feita de uma forma em que o governo de Theresa May fica com “via verde” para aprovar um grande conjunto de medidas sem passar pelo Parlamento — recorrendo a instrumentos como os poderes delegados e as chamadas cláusulas de Henrique VIII. A oposição, em particular o partido trabalhista de Jeremy Corbyn, garante-se “muito preocupada” com os poderes que o Governo passará a ter.

Corbyn instruiu os deputados trabalhistas para votarem contra, mas é provável que existam alguns membros do partido a ir contra essa indicação. As dissidências serão importantes para May, que saiu com o poder fragilizado das eleições de junho. O governo conservador deverá conseguir aprovar a legislação — mas o passo seguinte é a discussão sobre os pormenores, e é aí que Theresa May poderá ter de fazer cedências.

Para já, o partido conservador reconhece que esta legislação poderá dar “via verde” para aprovar legislação, mas garante que não irá usar esses poderes para fins além dos claramente definidos. Mas uma comissão da Câmara dos Lordes também já veio alertar que o pacote legislativo irá dar aos ministros do governo um poder “avassalador em termos de amplitude e potência”.