“Consenso”, “separação de poderes”, “constitucionalidade”, “transparência”. Eis as palavras mais utilizadas durante 16 minutos pelos deputados de PS, PSD, BE, PCP e PEV na passada quinta-feira, 21, no plenário da Assembleia da República antes da votação das alterações à Lei do Financiamento dos Partidos e das Campanhas Eleitorais.

Nem um deles, a não ser o do CDS-PP, que votou contra, se referiu especificamente às questões que estão no centro da polémica e que levaram já Marcelo Rebelo de Sousa a fazer uma espécie de pré-aviso de veto aos partidos — o fim do limite para a angariação de fundos e a possibilidade de restituição do IVA pago na “totalidade de aquisições de bens e serviços”.

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José Silvano, do PSD, que foi o coordenador do grupo de trabalho, enalteceu no hemiciclo o “grande consenso” alcançado no que respeita à separação entre “a entidade responsável pela avaliação e pela aprovação das contas”, e referiu-se rapidamente e sem quaisquer detalhes às restantes propostas: “As outras são pequenas alterações“.

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Embora de forma circular e incompreensível, José Luís Ferreira, do PEV, manteve o tom: “As alterações aos restantes diplomas decorrem exclusivamente da necessidade de adaptar o articulado deste diploma às alterações que agora se propõem à lei do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais”.

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As medidas referidas não constavam da ordem inicial de trabalhos do grupo constituído para proceder à alteração da lei, na sequência de um pedido do Tribunal Constitucional, e foi a isso mesmo que o deputado António Carlos Monteiro, o último a intervir, fez alusão, na bancada do CDS-PP — que foi, a par do PAN, o único partido a votar contra a alteração da lei.

“O CDS contribuiu para o projeto apresentado hoje e tem a convicção de que contribuiu significativamente para a sua melhoria. Mas, como sucede muitas vezes nas obras, o problema está no ‘já agora’: ‘Já agora, faça-se mais isto’; ‘Já agora, faça-se mais aquilo’. E no ‘já agora’ surgiram duas normas com as quais estamos em frontal desacordo. Na lei do financiamento aos partidos e campanhas eleitorais passa a estar — ou foi proposta — a eliminação de qualquer limite para a angariação de fundos pelos partidos”, começou por dizer António Carlos Monteiro, que é presidente do Conselho Nacional de Jurisdição do CDS e já foi secretário-geral, para logo depois considerar que a alteração “põe em causa todo o sistema que garante a transparência das contas”.

O deputado centrista, que também participou no grupo de trabalho, continuou: “Em segundo lugar, discordamos da alteração à norma que permite a devolução do IVA, retirando a obrigatoriedade de esse apoio ser só possível em relação à atividade ligada diretamente à política, alargando-a a todas as atividades partidárias”, continuou António Carlos Monteiro, garantindo que a dispensa de cobrança de IVA mais não é do que o “alargamento de um subsídio à atividade dos partidos”.

António Filipe, do PCP, apesar de não aludir direta ou indiretamente a estas duas alterações, foi a única voz minimamente crítica, mas não no que se refere às medidas sob votação. “Amplo consenso”, “iniciativa meritória do Tribunal Constitucional” e “a legislação vai ser significativamente melhorada” foram alguns dos seus soundbites sobre as alterações. As críticas atingiram a lei original do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais, aprovada em 2003.

“A lei aprovada em 2003, e que se vai manter na sua matriz essencial, teve e tem a mais veemente oposição da parte do PCP. Esta lei veio introduzir limitações absurdas à liberdade de atuação política dos partidos e confundir fiscalização com ingerência, o que deu lugar a uma atuação de caráter persecutório da atividade partidária levada a cabo por uma ação insensata, abusiva e à margem da lei por parte da Entidade das Contas e dos Financiamentos Partidários”, começou por acusar o deputado. “A péssima aplicação de uma má legislação acabou por tornar unânime a consideração da necessidade da sua alteração e por conduzir a um amplo consenso quanto à correção de algumas das suas mais graves e até absurdas disposições”, continuou.

Ao longo dos 16 minutos utilizados pelos partidos para abordar o assunto, na passada quinta-feira na Assembleia da República, não houve mais críticas nem referência a IVA ou limites para angariação de fundos.

José Silvano, do PSD, elogiou os resultados alcançados pelo grupo de trabalho: “Temos uma lei mais eficaz, mais eficiente, sem inconstitucionalidades, capaz de dar resposta aos partidos e às campanhas eleitorais”. Já Jorge Lacão, na bancada do PS, elogiou o “impulso” do Tribunal Constitucional, que alertou o Parlamento sobre “sérias dúvidas de inconstitucionalidade relativamente ao regime em vigor” — e elogiou o próprio grupo de trabalho. “De forma muito construtiva e num diálogo interinstitucional muito produtivo aplanou as soluções de superação dessas dúvidas”, enalteceu o deputado socialista.

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Pedro Soares, do Bloco de Esquerda, enfatizou a “separação de poderes”: “Quem aprecia e fiscaliza as contas dos partidos e das campanhas deixa de ser a mesma que julga eventuais irregularidades”. E ainda referiu o “direito de recurso relativamente a decisões da entidade avaliadora e fiscalizadora”, que passará também a ser possível.

“Com estas alterações, o sistema ganha rigor, exigência e transparência de acordo com os princípios democráticos de separação de poderes e de direito de recurso para entidade diversa daquela que avalia e fiscaliza”, realçou o deputado, garantindo que as alterações à lei terão ainda a capacidade de conferir “mais segurança aos cidadãos”. “Prestigia-se a democracia e ganha o país“, concluiu.

José Luís Ferreira, do PEV, começou por dizer que o resultado do grupo de trabalho foi um “texto o mais consensual possível” e acabou por elogiar também, como Jorge Lacão, o grupo de trabalho em si. “Permitam-me que realce aqui a forma como esse grupo de trabalho acabou por desenvolver o seu trabalho, de forma muito cordial e sensata, e uma palavra de apreço também para o seu coordenador, o senhor deputado José Silvano.” Depois continuou, explicando por que motivo foi necessário alterar a lei: “Para afastar quaisquer dúvidas de constitucionalidade relativamente aos procedimentos na avaliação das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais”. E acabou a garantir que a tarefa foi cumprida: “Com este diploma teremos um regime mais seguro e mais adaptado aos nossos dias“.

No final, as alterações à lei foram discutidas e votadas entre um projeto de lei sobre o fim da utilização de animais nos circos e uma petição feita por uma associação algarvia de surf e atividades marítimas contra a concessão de uma licença de perfuração à Galp, na zona de Aljezur. F oram aprovadas com 192 votos a favor e 18 contra. A avaliar pela observação de Eduardo Ferro Rodrigues à passagem do primeiro para o segundo tema do plenário — “Não há tempo” — terá sido uma manhã especialmente preenchida: a discussão sobre os animais durou 30 minutos, a da alteração à lei do financiamento dos partidos apenas 16.