Amigos, comida, bebida e música — se houvesse fórmula para o sucesso de qualquer projeto ele teria de passar por estas quatro variáveis. Se a elas se juntar fogueiras, grelhadores e afins o resultado cresce ainda mais e chegamos ao Chefs On Fire, evento que juntou dez cozinheiros (portugueses, maioritariamente, mais um internacional) e sete bandas na Fiartil, Estoril, no passado sábado.

Como já havia sido no ano passado, o da estreia desta espécie de festival da comida cozinhada no fogo, ainda não se chegava ao recinto e pelo ar já havia uma mistura de cheiro a lareira com churrasco. O tempo estava como precisava de estar — ameno — e muita gente já andava de copo, prato ou ambos na mão. À semelhança do ano anterior os bilhetes também esgotaram mas uma melhor distribuição do espaço fez com que nunca houvesse uma (demasiado) grande concentração de pessoas. Vivia-se com calma, o tal “slow living” de que tanto se houve falar hoje e que a organização do evento procura fomentar.

Como já tem sido hábito os cozinheiros vibram com esta oportunidade de sair das cozinhas sem deixar de fazer o que mais gostam (comida, entenda-se) e isso notava-se no sorriso de João Rodrigues, do Feitoria, que entre brincadeiras com os filhos e conversas com os colegas usava uma esfregona normal para besuntar os enormes nacos de carne que teve a cozinhar durante várias horas numa espécie de sarcófagos de cimento. Rodrigo Castelo, do Taberna Ó’Balcão, mantinha o mesmo estado de espírito ao ver os seus bodes capados pingar deliciosa gordura enquanto rodavam num espeto sobre brasas. Outra coisa que ia girando também era o kebab de Vasco Coelho Santos, do Euskalduna Studio, que veio do Porto durante a noite, depois de um casamento, só para não perder oportunidade de estar ali à frente da máquina de cozinhar o tal kebab que foi feita de propósito para esta festa.

As impressionantes vazias maturadas do chef Dave Pynt. Ele aparece alino canto direito, careca e de barba. passou quase o dia todo naquele lugar, a cortar quilos e quilos de carne. ©Diogo Lopes/Observador

Do fire pit — que cresceu em relação ao ano anterior —  pendiam todo o tipo de ingredientes, das sardas de João Oliveira (Vista, em Portimão) aos patos de Alexandre Silva (Loco, em Lisboa). A enorme estrutura metálica mais parecia uma árvore de natal, tantas eram as fracas (espécie de ave) que o chef Carlos Teiceira (Herdade do Esporão) deixou penduradas a cozinhar durante várias horas. Perto desta estrutura estava, numa ponta, o chef-pasteleiro Márcio Baltazar, do estrelado Ocean (Algarve), com o grelhador que fez com o pai e ali usou para cozinhar peras e laranjas (dito assim parece simples, mas quem provou diria o contrário). No outro extremo estava o chef Dave Pynt, australiano radicado em Singapura que domina este tipo de confeção de tal modo que tem um restaurante exclusivamente dedicado às brasas, o estrelado Burnt Ends. Era o convidado internacional desta edição e foi um dos mais concorridos, sendo raros os momentos em que não havia fila para provar a sua vieira com picante ou as sanduíches abertas (sem parte de cima, entenda-se) de carne de vaca maturada com uma amálgama de pickles e mostarda (delicioso!).  Finalmente houve ainda a comida vegetariana do chef Nuno Castro, da Esquina do Avesso e Fava Tonka (Porto) e o ceviche e “sanduba” brasileira do chef Kiko Martins, que recordava desta forma as suas origens no “país irmão”.

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Pratos como o cozido de grão de Alexandre Silva, o taco de aba de vaca grelhada com cebolas caramelizadas de João Rodrigues, o kebab com salada de tomates de Vasco Coelho Santos, a pera rocha na brasa de Márico Baltazar, a fraca com milhos e romã de Carlos Teixeira e as maravilhas já mencionadas do chef Pynt ficaram muito mais tempo na memória que na boca, para grande pena da maioria dos festivaleiros deste Chefs On Fire. O clássico problema da comida boa que se devora num instante.

Chefs on Fire: e se sete cozinheiros brincassem com o fogo?

Como a vida infelizmente não pode ser só comer não faltaram também pequenas “lojas” de coisas tão dispares como as facas personalizadas do cutileiro Paulo Tuna, os utensílios de madeira feitos à mão da Rival, o pão da famosa Gleba e muito, muito mais. Todos desfilaram a conhecer estes negócios mas toda a gente corria para o palco sempre que um concerto começavam. Os de Lena d’Água, Capitão Fausto, Miguel Araújo e o fantástico Adam Naas (um dos dois músicos internacionais presentes, o outro era os canadianos The Harpoonist and the Axe Murderer, que fecharam a noite) foram os que mais aplausos arrancaram.

Nada do que se passou foi deixado ao acaso, cada pormenor mereceu toda atenção por parte desta organização que também tem a seu cargo o famoso comboio The Presidential e a proteção do ambiente não foi exceção. Todos os talheres e pratos eram em papel, os copos de vidro e plástico nem vê-los — e bem. Até foram plantadas dezenas de árvores como forma de compensar as emissões de dióxido de carbono inerentes à vida na grelha. De um modo geral, portanto, foi mais um Chefs On Fire que ficou com todos os que lá passaram: seja no coração ou no cheiro a lareira que besuntou roupas e acessórios. Para o ano há mais.