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Não, a execução não morreu na praia

Uma mente perversa atenta às finanças públicas poderia pensar que o Governo aproveitaria este mês de agosto para fazer passar alguma notícia má, escondida nos dados da execução orçamental. Isto é, contando com a menor atenção dos media e do público interessado na sua análise.

Fique descansado: não é o caso. As (poucas) notícias do final da semana passada até anunciaram o sucesso de um défice “500 milhões abaixo do ano passado”. A realidade não é tão fantástica – há um mês até tínhamos um défice 1.000 milhões “abaixo do ano passado”. Ainda assim, do nosso ponto de vista, olhando para as diversas rubricas mantemos a perspetiva de um défice semelhante ao do ano passado.

Sei o que fizeste no verão passado

O défice das administrações públicas até julho foi, assim, de 4.981 milhões de euros, mais de 500 milhões abaixo do registado em igual período de 2015, facto devidamente destacado pelo Ministério das Finanças e que fez os títulos no final da semana passada. Mas o leitor mais atento recordará que, ainda há um mês, se “celebrava” o facto de este mesmo défice ter ficado 971 milhões abaixo do primeiro semestre de 2015. Metade da “diferença” esbateu-se, portanto, só neste mês de julho.

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Esta diferença positiva é explicada inteiramente por melhorias nos subsetores da Administração Regional e Local (cujo saldo tem sempre em julho um máximo no ano) e na Segurança Social, ou seja, o défice da Administração Central está, grosso modo, ao mesmo nível em euros do que entre janeiro e julho de 2015.

Isto não representa, cremos, um sinal de que as finanças públicas estão em “roda livre”. Nem, olhando mais finamente a cada rubrica, que houve grandes alterações desde o mês passado. Mas reforça a ideia de que não haverá propriamente consolidação orçamental este ano. Mantemos a nossa previsão de um défice que seria, descontando os efeitos do fado bancário, ligeiramente abaixo do défice do ano transato sem Banif, portanto abaixo do limite dos défices excessivos, mas “à tangente”. O problema é que este triste fado voltará, é quase certo, a soar quando se fizer as contas ao défice deste ano.

O défice ficará perto do de 2015, conte-se ou não com o efeito dos bancos (mas é melhor contar…)

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A banca volta a chamar o nadador-salvador

Em janeiro deste ano previmos aqui que a recapitalização do Banif contaria para o défice e que isso teria como consequência a manutenção do Procedimento dos Défices Excessivos, sendo prorrogado o prazo dado pelo Conselho Europeu para a correcção do défice. Foi o que veio a acontecer (apesar da novela). Como tem sido explicado – e tal como consta do Manual on Government Deficit and Debt editado pelo Eurostat para apoiar a implementação do Sistema de Contas Europeu – no caso das operações de recapitalização de empresas públicas, como é o caso, é preciso determinar se se considera uma transação financeira (investimento) ou não-financeira (transferência de capital).

No primeiro caso, considera-se que o “dinheiro” transferido é contraposto por um ativo financeiro de igual valor (neste caso, seriam ações da Caixa) e portanto não conta para o défice. No segundo caso, considera-se que o pagamento não tem uma contrapartida efetiva e portanto conta para o défice. Considera-se que esta última situação se verifica quando se comprova que: não é expectável que o Estado receba um retorno normal do investimento; ou que a empresa tem uma “série de prejuízos recentes”. A Caixa regista prejuízos há cinco anos consecutivos, tendo apresentado o último resultado líquido positivo no exercício de 2010.

Ou seja, a garantia dada pelo Governo de que o plano de recapitalização “vai assegurar um retorno adequado para o Estado, em condições idênticas às que seriam aceites por um investidor privado” (importante também para a avaliação da DG Concorrência) permitiria, em tese, que não se verificasse a primeira das condições. Mas o historial de prejuízos deitará em princípio por terra qualquer possibilidade de “fugir” ao défice.

Sem prejuízo de uma análise mais aprofundada, parece-nos que acontecerá com os 2.700 milhões de euros a investir na Caixa o mesmo que com o Banif [1]. Salvo melhor opinião, contarão para o défice e farão com que se volte a não fechar o Procedimento dos Défices Excessivos, voltando a ser concedida a Portugal uma extensão do prazo. É isto que permite ao primeiro-ministro dizer que a operação “não atinge défice nenhum” (na realidade, deverá atingir) mas, sobretudo, que “quando foi tomada a decisão sobre a não aplicação de sanções foi dito que o défice deste ano tem de ser de 2,5% sem que qualquer tipo de apoio ao sistema bancário seja contabilizado para a meta do défice”.

Impostos: bandeira vermelha

Nos impostos, as perspetivas, já desfavoráveis, pioraram ligeiramente face a junho. Há algumas alterações negativas importantes a registar, ainda que compensadas pela única boa notícia “fiscal”. A arrecadação de IRC foi muito boa em julho, contrariamente ao que vinha acontecendo: 845 milhões de euros, quase ao nível de 2015, que foi um ano excecional neste imposto. Já o IVA continua ao mesmo ritmo, com 1.006 milhões de euros em julho, idêntico a 2015.

As más notícias vêm do IRS que piorou uma situação que já era pouco encorajadora: temos uma variação negativa de 6% face ao montante arrecadado entre janeiro e julho de 2015, após um comportamento mau neste último mês. Os 494 milhões de euros recolhidos ficam cerca de 30% abaixo da receita em julho de 2015. E o “comportamento dos reembolsos” não parece satisfazer como explicação. De facto aumentaram, mas isso só em parte permite justificar a decepção do IRS com efeitos relativos a 2015.

Finalmente, os impostos sobre os produtos petrolíferos, embora continuem com um comportamento muito bom, parecem ter perdido algum gás em julho. Em conjunto com outros impostos indiretos recolhidos pelo subsetor dos Serviços e Fundos Autónomos, baixou de 340 milhões de euros em junho para 310 milhões de euros em julho. Tudo somado, pioramos ligeiramente a nossa estimativa para o desvio na receita fiscal no fim do ano, que deverá ser da ordem dos 1.100 milhões de euros, dadas as expectativas de receitas nos três principais impostos (IVA, IRS e IRC) mais baixas que o previsto no Orçamento.

Prevemos que os impostos serão, de longe, o maior desvio que afasta o défice da meta do Orçamento

Praia sem ondas no consumo público

No consumo público, nada de novo também. As despesas com o pessoal comparam sensivelmente da mesma forma com 2015 do que há um mês (variações homólogas de 2,1% e 5,2% em Estado e SFA, respetivamente). Tendo em conta que em julho aumentou o valor “reposto”, revemos em baixa a nossa previsão de desvio: esperamos agora uma “derrapagem” de cerca de 380 milhões de euros.

Já na aquisição de bens e serviços, a ligeira deterioração verificada, sobretudo nos Serviços e Fundos Autónomos – onde passámos, em julho, a ter um valor acumulado (3.670 milhões de euros) que ultrapassa o registado em 2015 – reduziu a nossa expectativa quanto a uma “folga” nestas rubricas que deverá, a existir, ficar-se pelos 70 milhões.

Na Segurança Social, a tendência também não sofreu qualquer alteração, reforçando a ideia que daqui virá um contributo para minimizar os “estragos” nas metas: numa visão de conjunto, as rubricas da despesa (incluindo pensões) deverão ficar quase 500 milhões de euros abaixo do orçamentado. Notícias piores vêm da Caixa Geral de Aposentações, em que a receita de contribuições ficou 50 milhões de euros abaixo de julho de 2015. Mas como em junho esta havia sido surpreendentemente alta, haverá que confirmar ao longo dos próximos meses se normalizará, confirmando um desvio positivo nesta rubrica, ou não.

A dívida não-financeira também tirou férias

Finalmente, um olhar rápido para a dívida não-financeira, que antes das férias vinha provocando bastante celeuma. Felizmente, a tendência de crescimento dos pagamentos em atraso nos Hospitais EPE parece ter sido interrompida, mantendo-se em julho ao mesmo nível do mês anterior. Veremos (e seria desejável) se irá corrigir ao longo do segundo semestre, contraindo até ao nível de “partida”.

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De registar, ainda, que no total o passivo não-financeiro se reduziu em 70 milhões de euros face ao mês anterior, quase totalmente devido à sua evolução na Administração Regional e Local.

Será muito pedir menos do mesmo?

Como vimos, em julho manteve-se calmo o mar da execução orçamental. Sem grandes ondas, continuam as boas e más tendências que já se verificavam. Gostaríamos de esperar que nos próximos meses houvesse mesmo uma melhoria, que sinalizasse algum mínimo de consolidação orçamental, e que estas previsões falhassem por excesso. Provavelmente – dadas as pressões várias, como a reposição salarial, o IVA da restauração, para não falar da desaceleração da economia – já será muito bom (para as finanças públicas, e não só para a nossa credibilidade) se acertarmos nas previsões que fazemos hoje.

A execução, as metas e a estimativa IPP: 2015 e 2016

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[1] Quanto às restantes componentes do plano de recapitalização anunciado pelo Governo, bem explicadas aqui no Observador, é certo que não contarão para o défice exceto num caso: os CoCos, fundos que foram concedidos a título de empréstimo à Caixa e que no âmbito do plano são convertidos em capital. Aqui parece-nos que poderão contar, mas para o défice de 2012, altura em que foram criados.

Encorajamos os leitores a contactar-nos com quaisquer questões ou comentários:

luistm@ipp-jcs.org – @_luistm

Investigador e diretor executivo do Institute of Public Policy Thomas Jefferson-Correia da Serra

As opiniões aqui expressas vinculam somente os autores e não refletem necessariamente as posições do IPP, da Universidade de Lisboa, ou qualquer outra instituição a que quer os autores, quer o IPP estejam associados.