Às vezes, a melhor lente para ler o presente está no revisitar do passado. Neste caso, a regra aplica-se: não é possível analisar politicamente o Orçamento de Estado para 2017 (OE2017) sem recuar a Abril de 2015, quando o PS publicou com enorme pompa mediática o seu documento estratégico “Uma Década para Portugal” (UDPP). Não foi um documento qualquer, mas a base que garantia a sustentabilidade financeira do programa eleitoral dos socialistas e da implementação das suas medidas a longo prazo, com o objectivo maior de demonstrar, com rigor “científico”, a possibilidade de uma alternativa política ao caminho traçado por PSD/CDS. E, recorde-se, um documento cujo coordenador é o actual ministro das finanças e outros dos autores são membros do governo e figuras de destaque na orgânica do PS. Ora, o que nos diz a comparação entre os dois documentos, OE2017 e UDPP? Que o país viveu numa grande mentira: a de que a austeridade era uma escolha deliberada e não uma necessidade imposta pela dimensão da dívida pública portuguesa e pelas regras europeias.

Todas as previsões que o PS lançou em Abril de 2015 saíram furadas. A UDPP apontava para 2016 um crescimento de 2,4%. Hoje, estima-se que fique por 1,2%. A UDPP indicava 3,1% de crescimento da economia em 2017. Agora, prevê-se menos de metade: 1,5%. E isto é significativo por duas razões. Primeiro, porque expõe o fracasso de uma estratégia, pois o pilar da alternativa que o PS apresentou na campanha eleitoral de 2015, sustentado pela UDPP, era precisamente o crescimento da economia – a forma de libertar o país das amarras de impostos e contenção orçamental estava no elevar dos índices de crescimento económico. Segundo porque, ironia das ironias, na UDPP indica-se que, para estes anos, as opções económicas de PSD/CDS resultariam em níveis de crescimento económico superiores aos actuais – 1,7% para 2016 e 1,7% para 2017. Ou seja, pelos seus próprios padrões, o governo PS está a ter um desempenho inferior ao que teria um governo PSD/CDS.

A partir destas evidências, somos empurrados para duas conclusões. A primeira é que a alternativa política que o PS construiu e apresentou ao país falhou. Após meses de campanha eleitoral, nos quais António Costa explicou aos portugueses que a austeridade não era uma inevitabilidade, o PS vê-se a liderar um governo onde o cumprimento da meta do défice é a prioridade, onde os impostos indirectos aumentam em todas as direcções e onde os serviços públicos (nomeadamente escolas e hospitais) são apertados nos seus orçamentos até ao limiar da sobrevivência. Ou seja, o governo PS é hoje a caricatura que desenhou do governo PSD/CDS – e isso, nos termos que o PS impôs a si mesmo, representa um fracasso inegável.

A segunda conclusão é que, sendo esse fracasso previsível, já que não faltaram avisos na Primavera de 2015 quanto ao irrealismo das previsões do PS e do seu documento estratégico, esse fracasso pode ser lido como uma mentira eleitoral. É que, efectivamente, toda a campanha do PS foi feita com base em pressupostos errados, criando falsas expectativas e atraindo eleitores para um projecto inviável de fim à contenção orçamental. Para muitos, que na altura própria o denunciaram, isso foi claro desde o início. Para os outros, a confirmação chegou agora, sob a forma do OE2017.

Dir-me-ão: nada disto interessa porque ninguém se importa com mentiras eleitorais, promessas rompidas e previsões económicas falhadas. De facto, ninguém se importa. Mas isto interessa. A demagogia no debate político só será vencida quando deixar de ser tolerada. E o país, porque na sua indiferença a vai tolerando, vai tendo também o que merece.

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