Na entrevista recente que deu ao Observador, Pedro J. Ramírez, histórico do jornalismo espanhol, dizia que o problema político de Espanha era a existência de uma ‘cupulocracia’ nos partidos. Lideram sempre as cúpulas, de cima para baixo, sem renovação e em polémicas que se arrastam e repetem no tempo, explicava. Quem melhor que ele, ex-fundador do El Mundo, agora à frente do El Español, 36 anos a dirigir jornais, para ler uma realidade que segue há anos e que acaba de se (voltar) a confirmar.

O problema da falta de Governo nestes últimos seis meses em Espanha foram exatamente essas cúpulas, os líderes dos partidos. Adaptando Drummond de Andrade, Iglesias queria Sánchez que preferia Rivera e ninguém queria Rajoy. Rajoy ficou sozinho, Sánchez e Rivera fizeram um pacto, Iglesias, abandonado, aliou-se a Garzón da Esquerda Unida e quem perdeu foi a Espanha e a política espanhola.

E, por causa delas, das cúpulas, os eleitores espanhóis nunca antes tinham mostrado tão pouco interesse por um acto eleitoral. A abstenção voltou a bater recordes. E os que votaram deixaram tudo quase na mesma. Preferem a segurança do centro. Não embarcam em aventuras radicais.

A calculadora das maiorias permite assim duas grandes possibilidades, exatamente como a 20 de dezembro: um acordo entre PP e PSOE ou um grande pacto entre PSOE, Ciudadanos e Podemos. Se ambas as soluções falharam antes, vão resultar agora? Haverá terceiras eleições, como ameaçou Rajoy, num descrédito total para Espanha? Estaremos perante uma ‘belgicalização’ espanhola?

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E é aqui que as cúpulas jogam, uma vez mais, um papel fundamental. Só assim se poderão eternizar.

Mas a coisa não será fácil. Comecemos pela hipótese PP/PSOE, o ‘centrão’ mais votado pelos espanhóis. Sánchez, que manteve o PSOE como segundo partido contrariando as previsões, disse que só faria acordos com o PP sem Rajoy, a quem chamou ‘corrupto’ e mentiroso’ entre outros mimos do género. Ora os populares não mudarão um líder que, apesar dos casos atrás de casos envolvendo o partido, conseguiu vencer duas eleições consecutivas, acabando até por reforçar a liderança e ganhar votos às três forças mais à esquerda. Por isso, para haver um governo PP/PSOE, Rajoy tem de ‘engolir’ os impropérios de Sánchez e seguir em frente para se manter no poder e Sánchez tem de apertar a mão a um homem que visivelmente despreza para ser o seu número dois na governação do país.

Na segunda hipótese, a de uma coligação mais alargada PSOE/Podemos/C’s, as cedências são igualmente complicadas. Mesmo que Sánchez tenha cantado vitória por não ter havido ‘sobrepasso’ do Podemos, a verdade é que o PSOE voltou a perder mandatos e o seu líder ficou mais fragilizado. Vai ter voltar a negociar sob ainda maior pressão dos barões do partido. A possibilidade de Espanha ter no Governo uma grande coligação de esquerda e conseguir despojar Rajoy do lugar é uma fraca consolação.

Sánchez pode retomar o acordo com o Ciudadanos de Rivera com facilidade, mas o Podemos voltará a vender caro o seu apoio. Mesmo com um Pablo Iglesias desiludido por não ter chegado a segundo e acossado pelo ‘caso Venezuela’, um radical é sempre um radical. E pode ter a tentação de retomar as suas velhas bandeiras, entre elas a da independência catalã e o apoio a um referendo independentista a que o Brexit só veio dar força.

Eis a manutenção total da ‘cupulocracia’ de Pedro J. Ramírez. Estamos, novamente, perante um verdadeiro bloqueio de personalidades.