Na última terça-feira, 6 de Fevereiro, passaram 10316 dias após a queda do Muro de Berlim. Dado que o Muro existiu durante 10315 dias (entre 1961 e 1989), terça-feira marcou o dia em que o período pós-Muro ultrapassou o período da sua existência.

A data não foi no entanto assinalada com a euforia que seria expectável. Nuvens de apreensão pesam sobre as democracias na Europa e no mundo. Crescem velhas e novas ameaças externas — do já conhecido fundamentalismo islâmico ao mais recente e muito pouco denunciado expansionismo colectivista e materialista chinês.

Mas cresce sobretudo um novo e indefinível mal estar interno: os eleitores dão sinais de descrença nos grandes partidos clássicos em que as democracias têm assentado; novos movimentos e partidos populistas atraem inesperados apoios populares.

Estarão as democracias ocidentais em perigo? Por que motivo crescem os partidos populistas e declinam os partidos centrais? Estes foram os temas de uma reunião de trabalho em Oxford precisamente na terça e quarta-feiras da semana passada. Promovida pelo Europaeum — um consórcio que reune doze das mais antigas universidades europeias — a reunião foi subordinada ao tema ‘Challenges to building consensus: Old problems, New Times?’.

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Foi uma intensa discussão académica, que não seria possível reproduzir neste espaço. Mas uma experiência particularmente intrigante merece talvez um breve relato. Tratou-se de uma sessão aberta ao público sobre ‘Populism, Nationalism and Brexit’, com dois proeminentes ‘brexiteers’ e um proeminente ‘remainer’.

O que eles disseram não foi propriamente novo, de um lado ou do outro. O que foi absolutamente surpreendente foi o tom cordial, cortês — quase doce — em que toda a sessão decorreu. Não houve um insulto, um azedume, um sequer ligeiro elevar do tom de voz. Polidamente, na verdade atenciosamente, cruzaram argumentos simplesmente opostos sobre o futuro do Reino Unido e da União Europeia. E apresentavam esses argumentos opostos com a desconcertante compostura de quem estivesse num evento social a pedir desculpa por discordar do anfitrião.

O único momento (parcialmente) dissonante foi quando um elemento da assistência — um vigoroso ‘brexiteer’ — fez uma intervenção inflamada a favor do ‘Brexit’ e contra os ‘traidores ao povo’ que querem impedir a concretização da vontade popular. Respondeu-lhe suavemente Gisela Stuart, que foi a líder oficial (trabalhista) da campanha pelo Brexit: ‘Receio que a sua intervenção tenha revelado mais sobre a sua mente do que sobre algum problema real que a nossa democracia esteja a enfrentar’. E prosseguiu tranquilamente com os seus argumentos.

Depois desta sessão pública, o grupo de académicos europeus do Europaeum regressou à sua reunião de trabalho. Havia um silêncio entre nós. O primeiro a falar foi um idoso professor emérito de Bolonha, com as maneiras distintas da velha e adorável Itália. Disse ele:

‘Estou muito impressionado com o tom educado do debate a que acabámos de assistir. E fez-me lembrar as palavras do grande historiador francês da Inglaterra do século XIX, Élie Halévy. Ele descreveu um jantar no Clube Athenaeum, em Londres, entre um Bispo católico, um Bispo anglicano e um deputado agnóstico: cada um deles ouvia os outros atentamente e suspendia o que estava a dizer para que os outros pudessem discordar.’

Houve um prolongado e respeitoso silêncio entre nós. Após alguns minutos, atrevi-me a acrescentar que Élie Halévy cunhara a expressão ‘milagre inglês’ : o ‘milagre’ de a Inglaterra ‘ter feito todas as revoluções — industrial, económica, social, política, cultural — sem nunca ter de recorrer à Revolução’.

No final dos trabalhos, fomos jantar na High Table do colégio. E, como há muitos séculos acontece em Oxford, começámos por pedir a Deus a benção para a nossa refeição: ‘Benedictus benedicat’. No fim do jantar, como há muitos séculos acontece em Oxford, agradecemos a Deus a nossa refeição: ‘Benedicto benedicatur’.