Reeleito presidente do PSD a 5 de março com 95% dos votos dos militantes do seu partido, valores norte-coreanos, interpreto no entanto os resultados de Pedro Passos Coelho de forma metafórica. Suponho que existem razões substantivas para tão forte base de apoio interna num partido político que nunca perdeu a sua pluralidade e abertura e que se conta entre os que melhor espelham as características da sociedade em que se insere. Se a fragmentação social-democrata objetivamente hibernou é porque o atual líder corporiza aquilo que outros, no partido e fora dele, são incapazes de corporizar.

Forçado pelas circunstâncias para as quais o país foi empurrado pelo desvario político, institucional e financeiro dos governos anteriores a 2011, o ex-primeiro ministro respondeu com atitudes e comportamentos que foram evidenciando, com o correr do tempo, uma coerência cartesiana. Isso não invalida as críticas que lhe possam ser justamente dirigidas, mas não legitima que confundamos o essencial com o acessório.

Não me conto entre os seus apoiantes de primeira hora, mas fui aprendendo a ver em Pedro Passos Coelho a dimensão do líder político que percebeu a necessidade de quebrar um ciclo de desorientação em que vivíamos, independentemente de quem foram os responsáveis, entre governantes (seguramente vários) e circunstâncias próprias da reinvenção do curso permanente das sociedades e da história. Num outro tempo, num outro contexto e por razões distintas, René Descartes escreveu uma das suas máximas do “Discurso do Método”, quando estava decidido a mudar de modo de pensar:

«Imitava nisto os viajantes que, tendo-se perdido numa floresta, não devem errar em volta, ora para um lado, ora para outro, e ainda menos deterem-se num local, mas caminharem sempre o mais a direito que puderem para um mesmo lado e nunca mudar por frágeis motivos, mesmo que, por ventura, no começo os tenha determinado apenas o acaso» (René Descartes, 1977 [1637], O discurso do método, Publicações Europa-América, pp.42-43).

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O ‘acaso’ de Pedro Passos Coelho resultou das circunstâncias em que teve de governar um país à beira da falência ou mesmo falido. No meio da floresta, soube caminhar ‘sempre o mais a direito’ que pôde. E se existem réstias de consenso na sociedade portuguesa, elas prendem-se com a necessidade de aprendermos a sair de uma floresta em que nos fomos embrenhando nas últimas décadas. Nem Pedro Passos Coelho, nem ninguém, possui evidências irrefutáveis sobre o que nos reserva o futuro. A governação e a política comportam riscos inevitáveis, bem como os resultados serão sempre insatisfatórios. Porém, os menos maus são os que sabem libertar-se a si mesmos e as sociedades a que pertencem da desorientação em que vivem. No mínimo, Pedro Passos Coelho é o menos mau comparativamente aos demais líderes partidários, dada a tentação cartesiana da sua atuação.

Em pouco mais de cem dias de exercício do cargo, o atual primeiro-ministro, António Costa, e os que com ele partilham a governação tipificam atitudes e comportamentos de uma natureza bem distinta, opostas ao método cartesiano. Movem-se de modo circular numa floresta que se estende pelo menos de Lisboa a Bruxelas, após a última transição de século ter esfrangalhado as velhas bússolas oitocentistas ou, na melhor das hipóteses, do tempo da guerra fria. No caso do atual primeiro-ministro, António Costa, assemelha-se a um vago conhecedor dos contornos do mundo em que vive tão ousado na intenção quanto Cristóvão Colombo (relevem-se os exageros), mas bem distante da tenacidade, persistência e sorte do último.

Imagine-se se, em 1492, Cristóvão Colombo, navegador tecnicamente pouco dotado na arte de atravessar oceanos, pouco antes de atingir o que viria a ser o Novo Mundo, tivesse decidido inverter o rumo. Em desespero de causa por ter errado nos cálculos do perímetro da terra, cujos valores viriam a revelar-se bem superiores ao que pensava, tal como a distância a percorrer para cumprir uma impossível travessia direta da Espanha à Índia rumando sempre para ocidente, suponhamos que Colombo via no gesto da inversão de rumo a melhor estratégia para acalmar uma tripulação à beira do motim. A inversão de marcha a meio do oceano num regresso desesperado ao ponto de partida, Sevilha, teria significado que, bem antes de atingir tal destino, esgotar-se-ia o que restava à tripulação de víveres, água potável, ânimo, saúde. O desastre teria sido mais do que garantido a meio do Atlântico.

A América e os Impérios do Novo Mundo ficariam para depois e a dignidade dos navegantes varrida da história. Cada dia que passa parece ser esse o destino do ‘costismo’.