O Kremlin parece já ter compreendido que a sua política em relação à Ucrânia está a ter consequências demasiadamente funestas em todos os campos, tentando, por isso, encontrar uma saída do beco em que se meteu.

O analista bem informado Igor Iurguens, antigo conselheiro de Dmitri Medvedev quando este ocupava o cargo de Presidente da Rússia, considera que a decisão de ocupar a Crimeia e envolver-se no conflito no Leste da Ucrânia foi tomada pela direcção russa ao nível emocional:

“O cálculo foi o seguinte: “O orgulho vale mais que o pão”. E, depois, se tomarmos a Crimeia, esqueceremos os problemas internos, teremos o apoio do povo em torno do regresso da sagrada Crimeia… E fazer cálculos [das consequências]? Isso fica para depois, temos 500 mil milhões de dólares em reservas de ouro. A Ucrânia vai-se desintegrar. O Ocidente não atacará uma superpotência com armas nucleares, depois veremos”, declarou Iurguens, numa entrevista ao jornal Novaya Gazeta.

Porém, as coisas não correram tão bem no Leste da Ucrânia como na Crimeia e o Kremlin viu-se internacionalmente isolado, com graves problemas económicos internos devido às sanções, à queda do preço do petróleo e à desvalorização rápida do rublo.

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Nesta situação, surge uma figura há muito esquecida na Rússia: Mikhail Gorbatchov, antigo Presidente da União Soviética. Para ser mais preciso, o ex-dirigente soviético era muito lembrado na imprensa russa como “traidor”, “destruidor da União Soviética”, etc. Agora, tem direito a ser entrevistado por um diário como o Komsomolskaia Pravda, um dos meios de propaganda política do Kremlin. E não só porque Mikhail Gorbatchov apoiou em público, nomeadamente durante a sua viagem à Alemanha por ocasião do 25º aniversário da queda do Muro de Berlim, a anexação da Crimeia pelas tropas russas. “Não se pode arrancar a Crimeia da Rússia, porque se trata da sua filha”, considerou ele.

Mas, na mesma entrevista, Gorbatchov faz uma declaração muito mais importante. Depois de se recusar a revelar o teor da sua conversa com a chanceler alemã Angela Merkel, o antigo dirigente soviético afirmou: “considero que o Ocidente já se conformou” com o facto de a Crimeia ser parte da Rússia, acrescentando ser “perfeitamente possível um compromisso entre a Rússia e a Europa”.

Não será esta a possível solução para resolver, pelo menos temporariamente, o problema? Talvez, mas quais serão as cedências da Rússia nesse caso? Deixar de fornecer armas e homens aos separatistas pró-russos do Leste da Ucrânia e, desse modo, conformar-se com a perda de influência nessa região? Renunciar à reivindicação da “federalização” da Ucrânia?

Pode ser, mas, nesse caso, Putin terá de arranjar boas explicações para que os 80% dos russos que o apoiam não comecem a pensar que ele, afinal, não é tão forte como parece.

P.S. Numa reunião do Conselho de Segurança da Rússia, realizada na quinta-feira, Putin declarou: “os apelos ao derrube violento do regime existente é uma manifestação directa do pensamento anti-popular, de extremismo”. Claro que isto é apenas referente à Rússia.