Um surto de momento (será?) invadiu as nossas vidas e empresas. Verdade que muitos têm tendência a fechar olhos e a procurar esquecer que há uma nova geração (ou novas) – mas seria bom que soubessem todos que é a que dará cartas – e já está a dar – quando formos mais velhos (e não falta quase nada) –, constituída por millennials, centennials ou, reduzindo tudo ao momento, momentennials. Senão vejamos.

No outro dia ouvi com algum interesse um partner de uma das big four fazer uma intervenção onde metia millennials e centennials ao barulho. No fundo, no fundo, para dizer que não conseguia gerir esta malta nova e que lhe escapavam por entre mãos. Não o disse de forma tão desabrida mas disse-o de forma encapotada. Entravam e saíam da empresa, dos projetos, de qualquer forma possível de planeamento. Não se fixavam. Não tinham commitment para com as organizações, não vestiam a camisola, não passavam bola a quem quer que fosse que não a eles próprios. Pois!

Apresentou-se, meio angustiado, como impotente face à incapacidade que sentia por nada poder fazer. Queria (o orador) dar uma resposta mas não conseguia. Fiquei a pensar naquilo e julgo que não há sequer uma resposta a dar, pelo menos imediata. Há, sim, um conjunto de características a entender. Há para aí um rol de coisas escritas e de testemunhos e de características sobre as gerações X e Z (millennials e centennials). Pouco importam. Direi o que vem à frente baseado no contacto diário com estas novas gerações. Nas aulas e fora delas. Que fundamentos – quais princípios – são estes das gentes que nascem no virar do milénio, agora do centenário e, depois, do decénio e sempre a tender para o momento?

Princípio #1: Cheirar. Estão numa aula, para dar um exemplo, para cheirar o “fenómeno”. Quando digo cheirar é cheirar mesmo. O feeling. Sentir o que é aquilo e se dá pica. Se não dá, vão embora. Se “obrigados” a permanecer, o que acontece poucas vezes, se a forma é chata, se o modelo é maçudo, se os exemplos do professor são secantes, desligam tão rápido quanto passam para o telemóvel ou o PC. Imergem no seu mundo e falam e riem e fazem tudo sozinhos em frente a um ecrã. É assim. Mas não são parvinhos. Apenas parecem parvinhos. Desmitifique-se também: não são sobredotados e multitaskers natos. Isso é uma criação da nossa geração para justificar o quão brilhantes são os nossos filhos. Qual!? São iguais a todos os outros em todas as gerações. Comprovado por todos e mais alguns estudos. A atenção que dão a uma coisa é a que retiram de outra. No final do dia, processamos em média 126 bits por segundo. É a vida. Consequência: baixa atenção a quase tudo. Baixa capacidade para aguentar…exceção para os flagelos do corpo onde embelezam e cuidam da máquina para ultrapassar, com facilidade, a barreira dos 100 anos (haja ginásios e quejandos).

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Princípio #2: Experimentar. Uma derivada, a primeira, do verbo cheirar. O cheirar é rápido e cheiramos muitas coisas de forma muito rápida que, tanto quanto possível, nos dão um grau da intensidade da coisa. Pelo que o experimentar também deve ser rápido. “Ainda não fui assistir à aula do prof. X. Vamos lá, tenha ou não a ver com o que estamos a fazer.” É uma experiência que a faculdade pode proporcionar. E de lá vêm entretidos para não voltarem. Já experimentaram. Avaliaram se gostaram ou não? Não se coloca sequer essa questão. Saindo da faculdade: visitam este ou aquele país para experimentar. Vão ao estádio A ou B para experimentar. Vão ao museu ou à rua Y para experimentar. Namoram para experimentar. Comem pratos novos para experimentar. Andam de moto para experimentar. E nada se sobrepõe à experiência. Não há grandes motards, grandes fãs de desporto automóvel, por exemplo. Experimentar não é necessariamente repetir. Não seguem, por isso, nada de muito especial por muito tempo. Mesmo no futebol tenho dúvidas sobre se o que sentem hoje não lhes passará rápido amanhã. Consequência: têm muitas dores de barriga (literais e não só) e muito frequentes. Porque muito experimentam.

Princípio #3: Mudar. Mudar rápido. Conseguir set-up times acelerados. Passar de uma atividade para outra apressadamente. Conseguir fazer muitas coisas diferentes no menor espaço de tempo. Absorver grandes doses de coisas muito díspares em shots (música, televisão, fotografia, jogos e tantos outros). Precisamente por isso a fotografia e a parte visual são tão importantes. Fotos e minifilmes que se partilham. É tudo rápido – e também extinguível – e o objetivo é o “já está”. Mais um momento colecionado. Mais um momento vivido. Postado. Finalizado. Não julguem que alguém algum dia vai andar a ver álbuns de fotografias ou a recordar o que seja. Não. Não é rápido e não é prático. Manda-se para a rede uma vez que guardar não “soma”. Por isso se sublinha “o aqui”, “o tira a fotografia agora” e “o posta”. E depois se espera uns quantos likes (sim, há uma economia de likes nestas coisas; uma espécie de peer pressure!) para passar à próxima. Esta não deu buzz…então passemos à próxima. Até haver um momento captado e vivido que rivalize com o número de likes que um qualquer ser vivo conseguiu do outro lado do mundo. Imaginem um conjunto impressionante de fotografias na lua, na praia, no campo, no castelo, na ponte, na árvore, com amigos, sem amigos, com a namorada, com saudades dela, sem ela, no quadragésimo n-ésimo andar de um prédio ou na cave menos dez de um outro, na loja xis como a andar à roda no maior carrossel do mundo. Rápido. Mudar e mudar rápido. Não é tanto a mudança, porque isso é coisa do passado. É a rapidez da mudança, a vertigem da mudança. E, se possível e para testemunhar, a foto da mudança. Consequência: é-se rápido e visual ou não se é (é de ser; é-se ou não se é).

Princípio #4: Fugir. Melhor expressão que a que se usa no whatsapp ou nos SMS para já passei para outra é “fui”. Fui embora. Já não estou aqui. Arranquei. Basei. Enfim, mudei e é bom que seja rápido. Interessante porque esta fuga é também uma ânsia. Uma fuga não é planeada. É feita. Podem estar a “pastar” até que chegue a hora x e uma hora depois, hora x+1, já estão a pensar em ir não sei onde para na hora x+2 terem comprado bilhetes de avião para um sítio radicalmente diferente do pensado na hora x+1. E em x+3 estão a dançar algures sem pensar mais no que acabaram de comprar em x+2. Muita coisa muito rápida e sem contradições (nas suas cabeças). Aliás, contradição é muito mais “com tradição” do que paradoxo. Essa coisa do paradoxo até encaixa bem. Como a contradição. Porque ele há momentos. E fugir deles, dos momentos anteriores, como se não houvesse passado ou o passado só fosse presente, é uma forma de vida. Uma inspiração. Cada coisa sem planeamento. Cada coisa a fugir da anterior. Consequência: mudar de trabalho rápido, mudar de empresa rápido, fazer cadeiras curtas, fazer cursos curtos, somar experiências curtas…para poder fugir. Tempo alargado é tempo perdido. Demasiado tempo despendido é tempo sem fugir. Literalmente: vivem a fugir.

Princípio #5: Descomprometer. Melhor, não comprometer. Nada que possa trazer grandes compromissos. Isso é coisa do antigamente. Estabilidade, relacionamento estável, comprometimento são tudo coisas a evitar. Viver o momento. Viver o aqui e agora. Se viver é já complexo, por si só, é melhor não se comprometerem com nada e não comprometerem nada significa nada comprometerem (e não, não é semântica). As portas estão sempre todas em aberto. E assim devem estar. O aeroporto tem sempre soluções para todos os lados e mais algum (na terra). Só ainda não tem para a lua ou para as estrelas mas lá chegaremos para criar mais oportunidades e menos comprometimentos. Consequências: comprar casa? Um compromisso. Namorar? Um compromisso. Assinar um contrato com uma empresa? Um compromisso. Fazer um seguro? Não há nada que compre a segurança. E há o compromisso de o pagar. E a segurança…é também um compromisso. Por isso, descomprometer.

Princípio #6 (ele há muitos mais mas não vos vou massacrar): Ignorar. Ignorar os outros a chorar. Ignorar os outros a sofrer. Ignorar os outros a pedir. Ignorar até os outros a agradecer. Ou a pedir desculpa. É estranho mas entranha-se. Vive-se com isto. Pois se alguém morreu? Outros irão ao velório. Outros mandarão mensagem. Outros mandarão flores. Outros falarão. É triste demais. É profundo demais. Pensar em morte? É preciso ignorar. Afastar o pensamento. Pensar em doença? Jamais. Pensar em coisas “sérias”? Não, não é permitido. A vida não tem que ser séria. Portanto, é preciso ignorar. Ignorar rápido, varrer, apagar. Tudo ligeiro. Tudo ignorado. Consequências: um total compromisso com o altruísmo de base zero.

Se o leitor teve a paciência de chegar até aqui imagine: tem uma casa no Alentejo, onde gosta de passar fins-de-semana, onde lê livros, onde bebe um bom vinho, onde gosta de descansar? Gostaria que os seus filhos, de novas gerações, partilhassem desta sua paixão? Esqueça. Acha que os seus filhos gostam de o acompanhar? Tal como nós não acompanhávamos os nossos pais embora por motivos bem diferentes. Alentejo? Ora, ora. Nada para fazer. Nada a acontecer. Pois bem, aí está o tipo de programa que não tem qualquer interesse para um millennial ou centennial ou momentennial: Não é rápido no cheiro, não se experimenta em segundos, não permite mudança, não tem fuga assegurada, não se descompromete (a casa não está lá à sua espera só porque sim mas porque investiu nela), é um compromisso, implica ajuda, implica trabalho e não se pode ignorar. Não é assim que irá convencer os seus filhos. Se os quiser levar a gostar dos fins-de-semana consigo prepare-se: viaje para uma capital europeia, coloque-os em todas as discotecas e bares possíveis, mostre-lhes todas as ruas e mais uma e traga-os rápido para outra passeata diferente porque essa está vista, vivida e, voltar duas vezes ao mesmo lugar, é pouco aconselhável para a rapidez e experiência.

Se o leitor teve mais paciência ainda para chegar até aqui imagine: quer contratar um jovem de elevado potencial para a sua empresa? Faça um processo tradicional, umas entrevistas, marque reuniões, algum tipo de conhecimento mais pessoal será importante. A sério que este é o seu racional? Então esqueça. Ou arranja desafios do primeiro ao último dia do processo de seleção (hackatons e digital competitions serão bem vindos) e do período de trabalho (de manhã num local, de tarde noutro, de vez em quando em casa, mande-os de férias para paragens longínquas, arranje negócios em países de que não conhece sequer o nome e ponha-os a rodar ou não cheiram, não experimentam, não mudam rápido, não há sensação de fuga, gera-se demasiado compromisso e eles não gostam e não podem ignorar) ou não consegue retê-los.

Um colega meu contava-me esta semana: um administrador da empresa XPTO (conhecida, sim) ofereceu-se para pagar 2 anos de viagem à volta do mundo a um miúdo fora de série, inteligente, trabalhador e tudo, tudo, e, depois disso, 10 anos de contrato a trabalhar, com compromisso e com estabilidade. Não surtiu efeito. Não aceitou e disse logo “nem pensar”. Até porque os 2 anos de viagem seriam tempo demasiado a fazer a mesma coisa. Imagine-se os 10 anos seguintes.

Disclaimer: Isto dito e chegados aqui apenas quero deixar, a título final e pessoal, o meu gosto enorme por estas novas gerações. Às vezes, confesso, não sei como lhes chegar. Mas, admito também, fascinam-me.

Professor Catedrático, NOVA SBE – NOVA SCHOOL OF BUSINESS AND ECONOMICS, crespo.carvalho@novasbe.pt