Depois de mais um ano cheio de conquistas e recordes, eis que Cristiano Ronaldo é notícia por duas razões bem diferentes: alegadamente deve uma brutalidade de dinheiro ao fisco (são 14,7 milhões de euros!); e parece que encomendou mais dois filhos – um par de gémeos – a uma barriga de aluguer.

A nossa admiração por Ronaldo não nos pode impedir de analisar a realidade que o envolve. Confesso que nunca esperei ver o nosso super-homem embrulhado em esquemas de fraude fiscal. E muito menos esperei vê-lo como protagonista de uma novela com filhos sem mãe. Se há quem diga que a primeira trapalhada belisca a sua imagem, eu cá acho que a segunda a mancha de outra forma.

Diferente de tentar “poupar” uns milhões, comprar filhos por encomenda, privando-os de terem mãe, é algo mais preocupante. Já com o primeiro filho tinha sido assim. Talvez seja um devaneio excêntrico, diziam uns. É uma manifestação pura de egoísmo, diziam outros. Não podemos saber o que vai na cabeça de Ronaldo, mas a ser verdade o que se diz, o que me apoquenta é o seguinte: insistir nesta prática indicia que talvez o nosso “mais que tudo” não saiba ao certo o que significa ser família.

Não creio que a culpa seja exclusiva de Ronaldo. Pelo contrário, creio que ele é apenas mais uma vítima do seu tempo e da ideologia dominante. Mas no caso dele, e por ser quem é, o problema assume outras proporções. E por isso o que escrevo vale para Ronaldo como para qualquer um que entre nesta deriva. Porque não se coleccionam filhos como se coleccionam bolas de ouro. Os filhos não são troféus; não são bens transacionáveis; nem deviam ser fruto de um simples acto de vontade de um super-herói. Os filhos não podem ser um caminho de auto-satisfação ou realização pessoal, como quem põe um “check” na obrigação de ser pai.

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Não se trata de fazer um juízo moral sobre a actuação de Ronaldo; trata-se de constatar e compreender a natureza como ela é. Tipicamente, a expressão família refere-se a um conjunto de pessoas com um grau de parentesco entre si e que habita na mesma casa. Mas no que respeita ao modelo de família, só conheço um: o natural. Ou seja, aquele que resulta da união entre homem e mulher geradora de filhos.

Naturalmente, isto não significa que os casais que não podem ter filhos deixem de ser uma família, nem significa que os viúvos ou os cônjuges abandonados, a partir desse momento, vejam desvanecer-se a família existente. Nenhum desses circunstancialismos é auto-imposto. A família subsiste. Por isso, todas as aproximações desse conceito serão consideradas família na medida em que procurem respeitar a sua natureza original. O resto serão reproduções mais ou menos incompletas da mesma e não deixarão de ser válidas, excepto quando a falta de completude é deliberadamente provocada. Quem se lixa, convençam-se, é a criança.

Por exemplo, o instituto da adopção foi pensado para conferir às crianças privadas dos seus pais a possibilidade de experimentarem um modelo o mais aproximado possível da realidade que teriam caso aquela privação não tivesse ocorrido – e isso só é possível com um pai e uma mãe adoptivos. O que se fez depois com a adopção é outra conversa e tenho dúvidas de que a preocupação central tenha sido o superior interesse da criança.

Os que legitimam estes comportamentos alegam que todos devem ter direito ao desenvolvimento da sua personalidade e à realização pessoal, justificando assim que quem quer ser pai, pode e deve sê-lo. E pode, ninguém diz que não, mas e porque não arranjar uma mulher que queira ser mãe dos seus filhos? É que também temos direito à nossa identidade e à filiação natural, coisa que estas atitudes ignoram. É a dignidade do ser humano (no caso, da criança) que é posta em causa.

Por outro lado, não cola a ideia de que os homens, querendo, devem poder recorrer a um óvulo ou a barrigas de aluguer apenas porque as mulheres podem recorrer a um dador de esperma anónimo para serem mães, de acordo com as técnicas de procriação medicamente assistida. Se formos sérios no debate e se pusermos o olhar na criança, facilmente se percebe que não se trata de uma questão de igualdade e será injusto (e muito redutor) resumir a discussão a uma luta de sexos.

Lá porque são legais, não quer dizer que essas técnicas estejam certas. Como explicava o professor Bigotte Chorão, as leis iníquas não são para cumprir. E o mesmo vale para a co-adopção por casais homossexuais. Basta pensar na aberração da semana: na Colômbia, três homens decidiram “casar”. Querendo, qualquer um deles pode adoptar ou “mandar vir” um filho e a criança terá então três pais e nenhuma mãe.

A falácia está aqui: pegaram no modelo natural de família e chamaram-lhe tradicional e depois inventaram uma série de outros modelos e disseram que são formas modernas de família. A semântica, essa grande arma.

O ataque ideológico à família é avassalador. E ver Ronaldo embarcar nisso, mesmo sem se aperceber, entristece quem o admira. Não digo que não seja carinhoso com os seus filhos ou que não lhes proporcione todas as condições (desde logo, materiais) para que tenham uma vida confortável. Mas no dia em que os seus filhos lhe perguntarem porque é que os seus colegas na escola têm mãe e eles não, o que lhes dirá o super pai?

Custa ver que uma pessoa que muito se apoiou na sua mãe, Dolores, e que sempre fez um esforço por se rodear dos seus irmãos, assim se preservando de outros males, prive agora os seus filhos de terem uma mãe biológica e uma família completa. Isso sim pode ser um rombo na imagem e na marca CR7. E não há milhões que lhe valham, a ele ou aos filhos. Uma mãe não tem preço.

Podia ser qualquer outro, mas a responsabilidade de Ronaldo não é só a nível social ou fiscal. Ela implica também ser um modelo a nível familiar. Basta pensar na quantidade de miúdos que, ao verem esta confusão, se perguntarão se isto é normal. Por favor, alguém lhes explique que não é. Afinal, o super-homem não é o super pai.

Advogado