Ponciano Mbomio Nvó, natural da Guiné-Equatorial e doutorado em Direito, é professor e advogado desde 1992. Crítico do governo e da justiça do seu país – designadamente, por questionar a independência das instituições judiciárias – foi impedido de exercer advocacia em 2012 durante dois anos, por alegada má conduta no julgamento de um opositor político, Wenceslao Mansogo Alo, considerado prisoneiro de consciência pela Amnistia Internacional.

Atualmente é o advogado responsável pela defesa do empresário italiano Roberto Berardi, preso em Bata, na Guiné Equatorial, num caso judicial polémico que envolve o filho mais velho do presidente Obiang, Teodorín.

Está em Portugal a convite da delegação portuguesa da Amnistia Internacional.

Uma pergunta difícil para começar: podemos confiar em Obiang?

Bem, pode-se confiar nele como chefe de Estado e comandante do destino histórico da república da Guiné Equatorial.

E no filho, o vice-presidente segundo da Guiné Equatorial, Teodorín?

Eu sou um jurista, primeiro de tudo. A constituição da Guiné Equatorial contempla vários cargos públicos, mas somente reconhece o cargo de um vice-presidente. O estatuto de vice presidente segundo é um cargo inconstitucional.

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Para aderir à Comunidade de Países de Língua Portuguesa, a Guiné Equatorial publicou uma moratória onde diz que vai abolir a pena de morte…

Moratória é um termo incerto, um pouco confuso. Um governo que manifesta a vontade de fazer algo tem de ter a consciência desse ato. Por exemplo, a pena de morte na Guiné Equatorial está regulada pela lei no código militar e penal. Oficialmente, tem-se de fazer um projeto de lei e submetê-lo às duas câmaras, a dos deputados e do senado. Se isto não se faz, o termo moratória é enganoso.

A pena de morte é o único problema no país?

O problema não está exatamente na pena de morte. Outros países como os Estados Unidos da América têm a pena de morte. O problema está em como é que as penas são aplicadas e se são influenciadas por vontades políticas.
O poder judicial na Guiné Equatorial está contaminado. Todos os juízes são escolhidos a dedo pelo governo: ´Este é o meu filho, aquele é meu sobrinho e o outro é membro do partido’. Contando que sejam licenciados em Direito, mesmo que não tenham experiência, são escolhidos.

Sei que é advogado do empresário italiana Roberto Berardi, um caso denunciado internacionalmente por falta de transparência pela Amnistia e outras organizações de direitos humanos. Como é que teve conhecimento deste caso?

Estive suspenso de exercer durante dois anos, devido a ter criticado o governo. Esse período acabou no início deste ano. Cheguei ao Berardi por uma recomendação, não sei de quem. Comecei a receber chamadas da família a contarem-me a história dele e como estava encarcerado na prisão de Bata.

Não entendo como é que um dos sócios de uma empresa pode mandar prender, sem explicar porquê, um dos sócios. Berardi está preso porque Teodorín é a autoridade no país.

Que acha que lhe vai acontecer?

O meu país não é um país de má gente. Não devemos julgar a população pelo seu governo. O Obiang tinha-se comprometido em Bruxelas a libertá-lo no dia 15 de Julho, data do seu aniversário. É comum nessa data ele dar amnistia a alguns presos. Não cumprir o que tinha prometido deu origem a vários protestos, um dos quais na embaixada da Guiné Equatorial em Roma, Itália.

Eu, que sou advogado do Roberto Berardi, só consegui estar com ele no dia 11 deste mês quando ele estava internado no hospital. Nem pesava 40 quilos, estava muito fraco. E mostrou-me o corpo, onde tinha cicatrizes de ter sido torturado.

Na realidade, quantos presos políticos já defendeu?

Ui, muitos. Desde que introduziu-se na Guiné Equatorial o regime multipartidário, em 1991, principalmente. O Obiang deu amnistia a todos os exilados políticos e permitiu o seu regresso ao país e a criação de partidos políticos.

É fácil pensar diferente na Guiné?

As pessoas tem sempre de se preocupar com sua integridade física. A Guiné Equatorial é o país em África com mais exilados. Isso não se justifica num dos países mais ricos do mundo, que produz petróleo.

Podemos chamar a Guiné Equatorial de uma democracia?

Tire as suas próprias conclusões. Um país de onde as pessoas fogem abandonando a bonança económica dá muito a entender.