Marion Cottilard sempre se sentiu uma outcast, que é como quem diz à margem – um peixe fora de água portanto, diz em entrevista ao The Guardian. “Existe qualquer coisa de estranho em mim. Nunca me sinto muito à vontade num grupo de pessoas e tenho de lutar muito para ultrapassar os meus medos”, explica a atriz francesa que deu voz e corpo ao papel de Edith Piaf, em La Vie en Rose, no ano de 2007.

Stephanie Rafanelli, a jornalista que se encontrou com a musa da Dior num hotel em Paris, diz que Cottilard parece uma mãe cuidadosa e adolescente, num rosto que ainda não perdeu as curvas que caracterizam a idade de quem já não é criança, mas ainda não é adulta. E num corpo que aparenta ser mais de 20 anos do que os reais 38. “Pernas cruzadas vestidas numas calças quentes em tweed”, descreve a jornalista, quando transporta os leitores para a suíte parisiense em que atriz brinca com Marcel, o filho de três anos.

attend the "De Rouille et D'os" Premiere during the 65th Annual Cannes Film Festival at Palais des Festivals on May 17, 2012 in Cannes, France.

Para o realizador Olivier Dahan, existe qualquer coisa de trágico no olhar da atriz.

Quais são os medos de Cottilard, pergunta Rafanelli. E a resposta vem com um sorriso, de olhos atentos, vidrados, deixando antever que as lágrimas podem surgir a qualquer momento. “É tudo muito Mona Lisa”, descreve a jornalista, quando também refere que é este mistério que envolve a atriz que tanto atrai realizadores como Olivier Dahan ou os norte-americanos Cristopher Nolan, Michael Mann e Woody Allen.

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Marion Cottilard é uma das atrizes não norte-americanas mais bem pagas na indústria, segundo o The Guardian, que recorda: quando Olivier Dahan escreveu o argumento que serviu de base a La Vie en Rose, o filme que retrata a cantora parisiense que apaixonou os franceses em meados do século XX, Edith Piaf, fê-lo a pensar em Cottilard. Porque havia “qualquer coisa de trágico no seu olhar”.

“Two Days, One Night” estreia em outubro

A conversa com o The Guardian ocorreu a propósito do novo filme dos irmãos Dardenne, o “Two Days, One Night” (“Dois dias, uma noite”, em tradução livre), que estreia em Portugal a 23 de outubro. No filme que não chegou a ganhar nenhum prémio no festival de cinema de Cannes, Cottilard interpreta o papel de Sandra. Uma mulher que, para que o casal mantenha o emprego, segue numa viagem com o marido para pedir a cada um dos colegas que abdique do bónus da empresa.

Conhecida por se colar às personagens, num trabalho de preparação que Stephanie Rafanelli considera “fanático”, Cottilard explicou que “Susan” não lhe exigiu muito tempo de dedicação prévia. “A preparação foi muito leve desta vez. Informação médica sobre ataques de pânico e os efeitos secundários do Xanax. Eu entendo a depressão, nunca estive super deprimida, mas houve uma altura em que pensei que isso pudesse estar a acontecer”, disse, explicando que já teve vários pontos de viragem na sua vida. “Consigo identificar quando estou mal ou super triste e avançar. Quando ficas preso em qualquer sítio, é porque precisas de mudar algo, alterar a energia”.

attends the "Two Days, One Night" (Deux Jours, Une Nuit) photocall during the 67th Annual Cannes Film Festival on May 20, 2014 in Cannes, France.

A atriz no Festival de Cinema de Cannes, em maio de 2014, a propósito do filme “Two Days, One Night”.

Depois de ter sido mãe de Marcel, a atriz diz que não entra tanto nas personagens, ao ponto de se perder numa “escuridão total”. “Antes de ter a minha família, tudo na minha vida era dedicado às personagens que interpretava. Quanto mais profundamente fosse afetada por elas, mais próxima me sentia. Não quero que o meu filho fique afetado por entrar num estado esquisito quando estou ‘deprimida’”, revela.

Depois de ter filmado o La Vie en Rose, continuou a ser “perseguida” por Piaf e que fez de tudo para se tentar libertar da personagem, inclusive exorcismo com sal e fogo. “Viajei para Bora Bora para fugir dela. Fui para Machu Pichu, no Peru, e participei em cerimónias xamânicas antigas para me limpar até que eventualmente percebi porque é que não conseguia libertá-la. Ela tinha sido abandonada quando era criança e o seu maior medo era estar sozinha”, explicou.

Depois de ter interpretado Lady MacBeth, na versão para cinema do clássico de William Shakespeare, Macbeth – ainda sem data de estreia em Portugal – Rafanelli refere que se sente que algo está a mudar e que a atriz está um pouco cansada de anti-heroínas trágicas. Agora, o sonho passa por fazer comédia e por interpretar uma personagem masculina. Até outubro, Marion.