No meio do deserto Sírio nasceu um novo “governo”. Raqqa, uma província Síria, onde o califado islâmico é o que une os seus habitantes, e governa com o objetivo de alargar o seu território e hegemonia ao mundo inteiro. É essa a missão que lhes foi destinada, acreditam. Conseguiu imiscuir-se em todos os aspetos do dia-a-dia destas populações. Dá com a mesma mão que tira. Por um lado, são os responsáveis pelas decapitações, apedrejamentos e execuções em massa. Por outro, fornecem água, eletricidade, pagam salários, controlam o tráfego e gerem tudo – desde padarias a bancos, tribunais e mesquitas.

A Agência Reuters procurou entrar na província, não conseguindo tirou um retrato à “Noiva da Revolução”, é assim que Raqqa é conhecida por ter sido a primeira cidade a sair do controlo de Bashar al-Assad e a cair nas mãos dos rebeldes, a partir da Turquia. O Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) é constituído maioritariamente por islamitas radicais que enfrentam e eliminam qualquer rival que se lhes oponha. Até agora todos os insurgentes foram mortos, desapareceram ou, os que tiveram mais sorte, fugiram para a Turquia. Há um sério código de costumes que todos devem seguir, álcool foi banido, as lojas fecham durante a tarde e as ruas ficam vazias ao cair da noite. As comunicações com o mundo exterior – que incluem as cidades e aldeias vizinhas – só são permitidas através do Canal Estatal Islâmico.

Nesta cidade rodeada de nada habitam quase 250 mil pessoas, não há nada que não seja esmiuçado pelo “governo”. “Sejamos honestos há um massivo trabalho institucional a ser feito. É impressionante.” diz um ativista local com quem a Reuters conseguiu falar. Os habitantes garantem que em matéria de estruturas o “presidente”, Abu Bakr al-Baghadadi, conseguiu criar um governo moderno em menos de um ano.Este parece ser o segredo do seu poder e dos inúmeros seguidores. São tão implacáveis nas táticas de guerra como a governar e a satisfazer as necessidades do “seu” povo.

Depois de se ter instaurado com a leveza de um furacão, o grupo começou a criar os serviços e instituições em falta, com uma intenção clara de erradicar as fronteiras do mapa e estabelecer o Estado Islâmico do Iraque e do Levante. “Nós somos um Estado. As coisas estão ótimas porque governamos com base nas leis de Deus.” Também os muçulmanos sunitas que antes trabalhavam para Assad foram obrigados a unir-se ao grupo. Não será preciso explicar o que aconteceu aos civis que não tinham afiliações políticas “foram-se ajustando à presença do novo poder. As pessoas estão cansadas, exaustas, e sinceramente, também é pelo trabalho institucional que estão a desenvolver em Raqqa.” Disse um habitante, opositor ao “governo”, que garantiu ter havido uma reestruturação de todos os serviços.

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Baghdadi está verdadeiramente convencido de que tem um governo nas suas mãos. E todos os seus movimentos e ações apontam para essa certeza – por exemplo separou o poder militar, da administração civil, há diferentes regiões administrativas e inclusive Ministérios. Os membros do exército têm direito a casas – confiscadas a desertores – e a um salário mensal que pode ir dos 400 aos 600 dólares.

Embora os vídeos que nos chegam mostrem impiedosos soldados islâmicos que decapitam todos aqueles que não seguem as suas regras, os habitantes contam que o grupo troca sentenças de morte por favores de homens leais a Assad, como por exemplo farinha para as padarias. Também a mantiveram os postos daqueles que trabalhavam na barragem. São estas estratégias que têm permitido ao grupo as garantias de poder no território que tomaram. E não é por acaso, houve um investimento em capital humano muito elevado. Peritos vieram da Europa e da África do Norte para os ajudar.

Curiosamente, Baghdadi é um homem com preocupações socias, dá dinheiro às famílias pobres e pensões às viúvas – com ou sem filhos. Aqueles que manipularem os preços são punidos e podem até ficar sem lojas se o fizerem mais do que uma vez. E como em qualquer Governo todos pagam impostos “Nós estamos apenas a por o Islão em prática, zakat é uma taxa imposta por Deus”, disse um jihadi à reportagem da Agência Reuters, que procurou entrar em Raqqa, sem sucesso. Analistas pensam que o Estado Islâmico poderá lucrar milhões dólares por vender o petróleo da Síria e do Iraque a homens de negócios turcos e iraquianos. Outra importante fonte de rendimento é o dinheiro dos resgates dos prisioneiros.

Foi em junho que Baghdadi, o homem que todos dizem ser experiente e implacável, se autonomeou Califa. E hoje a decisão final é sempre dele, a certeza é sempre a mesma seja a decidir o preço do pão, seja a decidir que sentença de morte deve aplicar. É ele quem lidera as grandes batalhas “não deixa os seus irmãos. Na retomada da Divisão 17 ele também ficou ferido.” conta um dos seus soldados.

A ideologia é o alicerce que o sustenta, e o objetivo principal é criar uma nova geração de jihadistas com peritos estrangeiros. Foram já milhares os que responderam. A confiança é tanta que islamistas do mundo inteiro estão a enviar dinheiro para Raqqa. Este dinheiro é injetado nas três fábricas de armamento que o grupo detém e que foram criadas para desenvolver mísseis. “Cientistas e homens com diplomas estão a juntar-se ao Estado.” diz o soldado. Também há crianças a serem educadas para a Jihad e todos os programas escolares incluem mais matérias acerca do Islão. Mulheres que queiram lutar também são bem-vindas e ensinam-lhes “o verdadeiro islão”.

Para já, os jornalistas estão impedidos de visitar a área por razões de segurança. A evolução do poder e do controlo deste grupo está a deixar preocupados os ocidentais, de tal forma que Barack Obama já os apelidou de “cancro” que tem que ser eliminado. Está em cima da mesa o plano de bombardeamento das suas posições estratégicas mas, neste momento a vida do grupo não se consegue dissociar da vida da população local e por isso seria impossível para os Estados Unidos eliminarem-nos apenas pela força, conclui a Reuters na reportagem publicada esta quinta-feira.