É um tema em que, à partida, todas as bancadas estão de acordo: descentralizar competências do Estado, isto é, passar domínios que estão hoje concentrados na administração central para o âmbito das autarquias, nomeadamente no que diz respeito aos setores da Educação, da Saúde, da Segurança Social e da Cultura. Miguel Poiares Maduro admitiu, esta sexta-feira no Parlamento, que “Portugal é dos países mais centralizados” da Europa e defendeu o projeto “amplo e ambicioso” do Governo. Mas o processo assente em projetos-piloto contratualizados com alguns municípios mereceu duras críticas da oposição. Para o PS trata-se de uma prova de que o Governo “falhou na reforma do Estado”.

Em causa está um decreto-lei que entrou esta sexta-feira em vigor e que estabelece o regime “de delegação de competências nos municípios e entidades intermunicipais no domínio de funções sociais”, através de “contratos interadministrativos”. Um regime que a oposição se juntou para acusar, em coro, de ser “feito à pressa”, a “seis meses das eleições”, e de não se tratar de uma “verdadeira descentralização” favorável aos municípios, mas de uma “desresponsabilização” do Governo.

Trata-se, segundo explicou o ministro-adjunto e do Desenvolvimento Regional esta manhã durante um debate plenário requerido pelo Governo, de pôr em marcha o há muito desejado processo de transferência de competências do Estado para os municípios e comunidades intermunicipais, mas de forma gradual e “voluntária”. Para isso, o Governo prepara-se para implementar um conjunto de projetos-piloto num número “limitado” de municípios. A ideia é, segundo disse o ministro, fasear o processo para que primeiro seja “monitorizado” e melhorado e só depois generalizado. Mas não disse quantos projetos-piloto estão efetivamente em marcha nem em que critérios assentam, o que desencadeou uma onda de críticas na oposição.

“O PS exige uma descentralização que implique a atribuição legal de novas competências aos municípios, que implique a transferência de recursos humanos e financeiros indispensáveis à assunção de novas responsabilidades, e que viabilize o modelo segundo critérios previamente definidos”, afirmou o deputado socialista Ramos Preto, acusando o Governo de estar a desencadear uma processo “só para alguns” e a “três velocidades”. Para os socialistas, o modelo do Governo “gera desigualdade” e prova que o Governo “falhou no teste da reforma do Estado”.

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O argumento central da oposição foi o parecer desfavorável emitido pela Associação Nacional de Municípios (ANMP) ao decreto-lei aprovado, onde questionava os critérios que estavam na base da seleção das autarquias que seriam incluídas nos projetos-piloto. O deputado socialista Ramos Preto afirmou mesmo que duvidava da “legalidade” daquele processo de seleção, enquanto o deputado ecologista José Luís Ferreira leu um excerto do parecer inicialmente emitido pela ANMP, onde a associação dizia que “não estavam ainda reunidas as condições para a contratualizar”.

Poiares Maduro, no entanto, apoiado pelo secretário de Estado da Administração Local, Leitão Amaro, sublinhou diversas vezes que o processo foi “amplamente participado e debatido” entre as várias associações, sindicatos e autarquias, e que o critério de escolha dos municípios piloto assentava na “vontade” dos municípios.

PCP e BE também apontaram o dedo ao processo de delegação de competências em curso. Para os comunistas, “aquilo a que o Governo chama de descentralização é apenas mais um passo no sentido do desmantelamento das funções sociais do Estado”, e da privatização destas funções do Estado. Para o deputado bloquista Luís Fazenda, o que está em causa não é um processo “amplo”, mas sim de “alcance curto, limitado e arbitrário”, que, no caso da Educação, “tira competências às escolas para as entregar às câmaras, ou seja, para mais longe dos cidadãos”. “Descentralizar assim não obrigado”, disse.

Em resposta, Poiares Maduro recusou que este seja o mote para a privatização destas funções do Estado. “Privatização? Não há qualquer correspondência com a realidade. Estes são contratos para delegar competências nos municípios. A não ser que o PCP entenda que os municípios sejam uma forma de privatização…”, ironizou.

Já Leitão Amaro reagiu às críticas do PS sobre a falta de estudos, dizendo que “eu quero um estudo é um eufemismo socialista para dizer eu não quero fazer nada”. “Nós queremos que a descentralização aconteça e queremos respeitar a autonomia das autarquias”, reiterou o governante.

Do lado da maioria, no entanto, as críticas foram para a forma como o debate sobre uma questão que é, à partida, consensual, foi travado. O assunto é “demasiado sério para servir de arma de arremesso político”, disse o deputado social-democrata Duarte Marques, acusando o PS de estar a fugir ao debate, não por não concordar com a descentralização, mas sim por não querer “que seja este Governo a fazê-lo”. “Que fique bem claro, o PS não é contra a verdadeira descentralização, que é a pedra angular da reforma do Estado. É sim contra este processo que o que faz é retirar os procedimentos de proximidade às populações”, ripostou o deputado socialista Acácio Pinto.