O último programa Ídolos, transmitido na SIC, tem dado o que falar — mas não pelas melhores razões. No passado domingo, um jovem adolescente foi ridicularizado pela sua aparência física. Os espectadores do programa de talentos não pouparam críticas. Muitos acusam a SIC de bullying.

O programa ainda está na fase em que apenas mostra as primeiras provas de centenas de candidatos, que são avaliados por um júri. No último domingo, foram transmitidas as audições realizadas no Parque das Nações, em Lisboa. Entre centenas de jovens, encontrava-se o concorrente número 5295. O rapaz, que surge a cantar um tema de Rihanna, é ridicularizado pelo tamanho das suas orelhas, que surgem aumentadas pela produção do programa.

Desde esse dia, inúmeros espectadores têm vindo a demonstrar o seu descontentamento através das redes sociais. No Twitter, são vários os que acusam a SIC de praticar bullying.

https://twitter.com/eunaosouopedro/status/595582518465789953

Na página de Facebook do programa, não é diferente. Andreia Sampaio afirma que o Ídolos é um programa de “caça talentos” mas que, infelizmente, “não é isso que se tem visto”. “Não é novidade que vivemos numa sociedade que vive de aparências”, acrescenta. Já Monalisa Nascimento refere que “ninguém tem o direito de humilhar alguém na televisão desta forma”.

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Contactados pelo Observador, a FremantleMedia, produtora do programa, e a SIC disseram lamentar o sucedido e que não tinham “intenção de ferir suscetibilidades”.

“A SIC e a FremantleMedia lamentam o sucedido, pois não foi sua intenção ferir suscetibilidades. Como é do conhecimento geral, o programa Ídolos nesta fase contempla nos seus conteúdos situações nas quais os seus concorrentes se encontram mais expostos. É dado destaque a todo o tipo de candidatos, tanto pelo talento demonstrado, como pela originalidade da situação”, refere um comunicado enviado ao Observador pelas duas entidades.

É “um uso abusivo do termo” bullying

Para Sónia Seixas, psicóloga pedagógica e subdiretora da Escola Superior de Educação de Santarém (ESES), o termo bullying não se aplica a esta situação. “É um uso abusivo do termo”, explicou ao Observador, “o que não retira o caráter deplorável da ação em si. É um tipo de gozo, de violência”.

Para a psicóloga, é claro que a intenção não era criar mal-estar, “era criar audiências”. “Os candidatos são usados como matéria-prima para conseguirem mais audiências. A imagem é tão importante nestas idades, que é muito grave tentar atingi-la. É uma situação de maltrato e um ato de cobardia“.

Apesar de não respeitar as características do bullying, como a repetição ou a intencionalidade, o incidente pode ter consequências negativas, dependendo da formação, estabilidade emocional e do meio em que o jovem está inserido. E, neste caso, pode mesmo vir a ser o início de cyberbullying.

Esta ação pode ser utilizada por pessoas mal-intencionadas“, referiu Sónia Seixas. “Muitas vezes, as pessoas não têm consciência de que, ao porem uma situação que ridiculariza na internet, esta pode ser aproveitada por pessoas maldosas. É uma ferramenta que é dada ao ciberespaço”.

O bullying (verbal, psicológico, físico ou sexual) é uma forma de agressão contínua, que tem como objetivo causar dano, sofrimento ou mal-estar. O termo foi criado na década de 1970 por Dan Olweus, um psicólogo sueco responsável pelo primeiro estudo sistemático das práticas de bullying no mundo.

Este acontece de forma repetida e implica sempre um abuso de poder. Ou seja, existe sempre uma desigualdade entre o agressor e o agredido, que faz com que este último se sinta inibido ou intimidado. Tende também a ocorrer entre grupos sociais familiares e entre pares, como cônjuges ou colegas de escola.

De acordo com dados compilados pela Unicef (2003), um em cada três adolescentes, entre os 13 e os 15 anos, é vítima de bullying na escola. Na Europa e na América do Norte, 31 por cento dos jovens admitiu praticar bullying, com uma taxa de prevalência que vai desde os 14 por cento na República Checa e na Suécia, aos 59 por cento em países como a Letónia ou a Roménia.

Em Portugal, de acordo com um inquérito desenvolvido no âmbito do projeto A Saúde dos Adolescentes Portugueses publicado em 2014, 34 por cento dos adolescentes disseram terem sido alvo de bullying pelo menos uma vez por semana nos últimos dois meses.

 

Nota: o artigo foi atualizado com a resposta da FremantleMedia e da SIC.