A noite era de terça-feira, mas dentro do RCA Club o entusiasmo era o de uma sexta. Desengane-se, contudo, quem pensa que o entusiasmo era dançável: as paredes de som causadas pelo oceano de reverb e pelos amplificadores altos congelaram uma audiência atenta, arrepiada e afetada. Culpados? A banda japonesa Mono, que veio a Lisboa a 5 de maio cortesia da promotora amplificasom. Conhecida por organizar o festival nortenho Amplifest e por trazer grandes nomes do rock introspetivo como Godspeed You! Black Emperor, Russian Circles ou Caspian, a amplificasom carimbou, assim, o regresso a Portugal de uma das bandas mais respeitadas do género.

A pontualidade japonesa não enganava: eram 22h00 e os Mono já estavam a tocar. No palco estavam duas guitarras reverberadas, uma baixista que fazia de teclas e um baterista que brincava com um metalofone e com um prato crash gigante tipicamente japonês. O concerto começou com “Recoil, ignite”, do mais recente disco “Rays of Darkness”, que impôs o estado de espírito de 80 minutos de concerto: melancolia sonora.

O quarteto nipónico é conhecido pelo pós-rock imponente e emocional que funde elementos da música clássica e oriental. A falta de velocidade é compensada pelas linhas épicas, dignas de um Braveheart ou de uma epopeia naturalista qualquer, que se arrastam pela música em crescendos intensos. E quem foi ao RCA pôde comprovar a virtuosidade dos Mono: canções orelhudas dos álbuns mais aclamados e os temas mais emocionais dos recentes discos de 2014, “The Last Dawn” e “Rays of Darkness”.

A sala estava só semi-composta, mas os presentes foram fiéis. Os olhos fechados da audiência cambaleante tornaram inúteis as luzes do RCA. As projeções mentais que as canções dos japoneses provocam são quase alucinogénias e fazem parte da experiência Mono. Ali a música moveu, apesar da quietude de todos, e o único fumo que se via – garantimos – era a névoa artificial que contornava a banda e que, em conjunto com os jogos de luzes, personificavam o som.

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Apesar da longa discografia do conjunto japonês, que conta com mais de nove gravações em estúdio, o alinhamento saltitou apenas entre quatro discos, os mais recentes já enunciados e os dois mais populares, “For My Parents” e “Hymn to the Immortal Wind”. Só o tema “Unseen Harbor” foi lembrado do disco de 2012 “For My Parents”, enquanto quase metade do alinhamento foi dedicado a “Hymn to the Immortal Wind”. E foi desse álbum que nasceram os pontos altos da noite: os temas “Pure as Snow” e “Ashes in the Snow”.

Terminada a música, as palmas e os berros ocultavam (ou manifestavam) os arrepios (e alguns choros) sentidos ao longo do concerto. Tal como num recital, a banda permanecia calada e sentada num banco (à exceção da baixista). A postura clássica só foi abandonada em “Ashes in the Snow” e na canção que fechou a noite, “Everlasting Light”, quando Takaakira Goto, guitarrista e principal compositor dos temas dos Mono, se atirou para o chão nos momentos de clímax. Ainda no chão, Goto maltratou os inúmeros pedais que tinha e despediu-se com um noise caótico (mas organizado).

A banda agradeceu e saiu à hora prevista. E apesar da insistência do público, os Mono não concederam qualquer encore.

Uma breve nota para Alison Chesley, também conhecida como Helen Money, violoncelista que aqueceu o palco para os Mono. Apesar de não ser uma completa desconhecida — já colaborou com os Russian Circles, Broken Social Scene, Mono e Portishead — Helen Money não tinha a tarefa facilitada: encantar um público apenas com um violoncelo, com um loop, uma máquina de ritmos e pedais de efeitos. A sonoridade esquizofrénica não deixou o RCA, ainda por encher, indiferente, mas também não encheu as medidas à audiência. A serenidade de “Every Confidence”, retirada do disco em que colaborou com a voz de Jarboe (ex-Swans), contrastou com a agressividade industrial de “Beautiful Friends”, que abusou de um duplo bombo samplado de fazer inveja até ao baterista Vinnie Paul Abbott dos Pantera, lendária banda de thrash metal norte-americana.

Texto editado por Pedro Esteves.