O ponteiro mais pequeno do relógio aproximava-se das cinco horas da tarde quando a comitiva de Maria de Belém Roseira irrompeu pelas instalações da creche “Nossa Senhora da Visitação”, na cidade de Évora. Cumpridos os formalismos, era tempo de conhecer os inquilinos. As primeiras crianças a serem cumprimentadas pela candidata a Presidente da República aguardavam ordeiramente, dispostos à volta de uma mini-mesa, sentados em mini-cadeiras.

Confusos com a parafernália de câmaras, microfones e jornalistas, os mini-estudantes de bibe fitavam a ex-ministra da Saúde com espanto. “Estão todos com um ar muito simpático“, atirava Maria de Belém, antes de se retirar para outra sala da creche para conhecer os alunos mais graúdos – a classe dos 12 aos 36 meses de idade. Lá encontraria o mesmo cenário. Não houve pulos, nem gritos, não houve cambalhotas, nem brincadeiras. Como chegou, foi embora. Sem gritos por “Belém, a Presidente”, sem palavras de incentivo, sem palavras de todo – afinal, não se pode pedir mais a quem mal consegue articular duas sílabas.

Os primeiros dois dias de campanha de Maria de Belém têm sido assim: conheceu lares de terceira idade, centros hospitalares e instituições de proteção de crianças e jovens. Pelo meio, ainda arriscou uma sessão no cineteatro de Almeirim, uma visita à Empresa de Desenvolvimento de Infraestruturas do Alqueva (EDIA), em Beja, e dois almoços com alguns apoiantes. Mas sem banhos de multidão, sem arruadas, sem agricultores, peixeiras ou feirantes. Sem rua.

Maria de Belém desvaloriza. “Ainda vamos em um dia e meio de campanha”, atira, quando confrontada pelos jornalistas com as coincidências na agenda. “É evidente que vamos visitar outras instituições, empresas privadas e várias entidades. As campanhas fazem-se percorrendo as várias atividades“, sublinhava no final da visita Visita ao Hospital de Portimão.

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A estratégia dos outros candidatos tem sido ligeiramente diferente, ainda assim. Marcelo Rebelo de Sousa e Sampaio da Nóvoa já saíram à rua para testar a popularidade – e o ex-reitor da Universidade e Lisboa até nem se deu mal. Por terras nortenhas, em visita à feira de Espinho, o “lindo e jeitoso” candidato fez as delícias das feirantes. Mais tarde, no mesmo dia, ainda arriscou a pele nas festas de São Gonçalinho (Aveiro), ao atirar cavacas do alto da capela do santo.

Nada que afete Belém. A ex-Presidente do PS tem preferido pisar outras pedras na estrada até Belém e explica porquê. “Eu recebo e tenho recebido imensos convites de instituições desta natureza. As pessoas conhecem-me e sabem a preocupação que tenho dado a estes problemas que muitas vezes são desvalorizados, mas que são os principais para a confiança das pessoas nas suas vivências. É preciso mostrar que o país tem feito um esforço grande no sentido de atender a estas pessoas, mas [não esquecer] que o nosso nível de envelhecimento nos obriga a olhar para estas questões com muita atenção”.

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A estratégia é tripartida: lembrar a obra, recuperar a missão do Presidente e desfraldar a grande bandeira da candidatura. A obra, aquela que foi feita durante os governos de António Guterres (dos quais fez parte, enquanto ministra da Saúde, primeiro, e ministra da Igualdade, depois). A missão, a luta que o Presidente deve travar pelos direitos dos mais desfavorecidos, do Estado Social e do Serviço Nacional de Saúde. A grande bandeira, a importância da economia social para o desenvolvimento do país.

A estas acrescentam-se duas outras dimensões: primeiro, o currículo. Enquanto os adversários, diz, estiveram sempre longe das batalhas mais importantes, a ex-Presidente do PS tem feito questão de usar o cartão de visita de “40 anos de serviço público” como trunfo.

Foi o que fez esta segunda-feira, no almoço com um grupo de apoiantes e autarcas da região, em Beja. “Eu não me escondi em lado nenhum, estive sempre na luta pelas causas que pude apreciar e considerar como absolutamente imprescindíveis” para o desenvolvimento do país. “A minha luta pela correção dessas desigualdades não é de hoje, não é um sobressalto cívico recente”.

A juntar a esta, há ainda uma quinta dimensão: a militância socialista. Numa altura em que o partido parece estar divido em dois, Maria de Belém tem feito questão de lembrar que ela, sim, esteve sempre com o PS, por oposição aos que falam mal dos partidos e depois já gostam deles para “ganhar eleições”.

E não lhe têm faltado apoios de peso. João Soares, ministro da Cultura, apareceu no primeiro dia para mostrar o apoio à candidata e garantir que se a mãe, Maria Barroso, fosse viva, apoiaria Belém. Almeida Santos, presidente honorário do PS, enviou uma mensagem de força. Ainda na segunda-feira, Vera Jardim, porta-voz da candidatura de Belém, apareceu ao lado da candidata. O padre Vítor Melícias, que é apontado como líder espiritual de Marcelo, também. Carlos Zorrinho, eurodeputado socialista, juntou-se-lhe neste segundo dia.

Estes apoios talvez sirvam para atenuar os que perdeu nos últimos dias. O presidente do PS, Carlos César, como era expectável, está com Nóvoa. A eurodeputada socialista Ana Gomes, que ajudou a lançar a candidatura de Belém, também. E até António Guterres, que poderia ser um apoio importante, preferiu manter-se de fora desta luta. E Nóvoa ainda tem Jorge Sampaio e Mário Soares, dois ex-Presidentes socialistas.

De volta à estrada, no terceiro dia de campanha eleitoral, a estratégia de Maria de Belém deve repetir-se. A candidata começa o dia com uma visita ao IPO – Instituto Português de Oncologia do Porto, almoça no Campus do Hospital São João e ainda vai passar pelo Hospital Pedro Hispano, tudo no Porto, cidade de onde é natural.

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Aí, na Cidade Invicta, vai inaugurar a sede de campanha, naquele que deverá ser um dos momentos altos da corrida para a Presidência. Talvez por isso, e porque a viagem é longa, Belém ainda aproveitou para fazer uma paragem em Vendas Novas e provar as tão famosas bifanas da região. Não que precise de força para o resto da caminho, garante. “Eu estou muito habituada a este ritmo. Quem me conhece, sabe que trabalho muitas horas por dia”, insiste. Amanhã há mais.