Mais de cem advogados brasileiros uniram-se para publicar ontem um manifesto contra a Operação Lava Jato, classificando as investigações sobre um alegado esquema de corrupção centrado na petrolífera pública Petrobras como uma “espécie de neo inquisição”. Mas os juízes e os procuradores federais não ficaram atrás e responderam de forma violenta. Um espelho do impacto que Operação Lava Jato está a ter no Brasil.

As críticas expressas no manifesto dos advogados, que reuniu boa parte dos advogados mais prestigiados do Brasil como António Mariz de Oliveira, António Carlos de Almeida Kakay ou Nabor Bulhões, concentram-se essencialmente na forma como o Ministério Público (MP) Federal publicita as suspeitas que reuniu durante a investigação e o dano que alegadamente essa transparência da acusação provoca na presunção da inocência dos arguidos de um caso que está a abalar o poder político e económico do Brasil.

A lei brasileira permite que, por exemplo, o MP Federal promova conferências de imprensa para explicar as suspeitas ou a acusação formal à comunicação, e publicite as acusações e documentos do processo nos respetivos sites – tentando comunicar diretamente, dessa forma, com os cidadãos.

Para as defesas dos arguidos, esta política de transparência acaba por influenciar os tribunais que apreciam as acusações apresentadas pelo MP Federal, daí a acusação de “neo inquisição em que já se sabe, antes mesmo de começarem os processos, qual será o seu resultado, servindo as etapas processuais que se seguem entre a denúncia [inquérito] e a sentença apenas para cumprir ‘indesejáveis’ formalidades’.

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O manifesto pretende ser uma espécie ‘grito de Ipiranga’ dos advogados contra o processo penal brasileiro e foi divulgado em exclusivo pelo jornal “Estado de São Paulo”.

“O desrespeito à presunção de inocência, ao direito de defesa, à garantia da imparcialidade da jurisdição, o desvirtuamento do uso da prisão provisória [prisão preventiva], o vazamento [divulgação] de informações seletivas e confidenciais, a execração pública dos réus, entre outros graves vícios, estão se consolidando como marca da Lava Jato, com consequências incalculáveis para o presente e o futuro da justiça criminal brasileira”.

Os advogados brasileiros criticam ainda a acusação por privilegiar fugas de informação para a comunicação social durante a fase de investigação. Trata-se, sem dúvida, de mais uma manifestação da estratégia em prejuízo da presunção da inocência das pessoas e da imparcialidade que haveria de imperar nos julgamentos dos acusados – que tem marcado, desde o começo, o comportamento desvirtuado estabelecido entre os órgãos de persecução e alguns setores da imprensa”.

“A operação Lava Jato se transformou numa Justiça à parte. Uma Justiça que se orienta pela ideia de que os fins justificam os meios, o que representa um retrocesso histórico de vários séculos, com a supressão de garantias e direitos duramente conquistados, sem os quais o que sobra é um arremedo de processo, enfim, uma tentativa de justiçamento, como não se via nem mesmo na época da ditadura”, concluem.

Juízes e procuradores respondem

A Associação dos Juízes Federais respondeu de forma violenta, recusando de forma veemente a acusação de que os direitos da defesa, essenciais num estado de direito, não estejam a ser respeitados. A quebra de um paradigma vigente na sociedade nunca vem desacompanhada de manifestações de resistência. Gritam e esperneiam alguns operadores desse frágil sistema que se sentem desconfortáveis com a nova realidade nascente”, afirma o juiz António César Bochenek, acrescentando que a iniciativa dos advogados é uma “tentativa vã de forjar na opinião pública a impressão de que a prisão é pena excessiva para quem desviou mais de dois mil milhões de reais [452 milhões de euros], montante já recuperado pela Operação Lava Jato”.

A Operação Lava Jato coroa um lento e gradual processo de amadurecimento das instituições republicanas brasileiras, que não se colocam em posição subalterna em relação aos interesses económicos. A Justiça Federal realiza um trabalho imparcial e exemplar, sem dar tratamento privilegiado a réus que dispõem dos recursos necessários para contratar os advogados mais renomados” do Brasil. Essa ausência de benesses resulta num cenário incomum: empreiteiros, políticos e dirigentes partidários estão presos”, lê-se no comunicado da associação que representa os juízes federais.

Bochenek quis defender essencialmente a ação do juiz federal Sérgio Moro que já condenou 57 arguidos da Operação Lava Jato a um total de mais de 680 anos de prisão (somatório de todas as penas e sem cúmulo jurídico). Todas as ações do MP Federal e do juiz Sérgio Moro tribunal de primeira instância têm sido escrutinadas por todos os tribunais superiores brasileiros, tendo sido assegurada a legalidade dos procedimentos ou mantida a grande maioria das penas.

Os procuradores da Operação Lava também reagiram mas de forma mais sintética. Deltan Dallagnol e Carlos Fernando Lima, dois dos principais magistrados da equipa do MP Federal do Estado do Paraná que investiga desde o início este caso, dizem que os advogados “violaram o princípio mais básico que eles defendem como advogados de defesa que é que não se façam acusações genéricas”, disse Dallagnol. “As acusações são tão genéricas que envolvem todas estas instituições [MP Federal, Supremo Tribunal Federal]” e a comunicação social. “Parece um grande complô [conspiração]”.