Não são raras as vezes que Carlos Diogo, diretor da Fundação Obra do Ardina, é interpelado pelos rapazes que vivem no prédio daquela organização, que insistem em lançar-lhe a mesma pergunta: “Então quando é que chegam os refugiados?”. Seis meses depois de a Casa do Ardina se ter aliado à Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR), oferecendo-se assim para receber uma família de seis refugiados, Carlos Diogo continua a dar a mesma resposta: “Ainda não sei, temos de esperar”.

Enquanto isso, a Fundação Obra do Ardina já tem uma casa pronta para acolher estas pessoas. Trata-se de um apartamento de cinco assoalhadas, perto da sede daquela Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), na freguesia da Penha de França, em Lisboa. Propriedade da fundação, esta casa serviu em tempos como habitação de jovens institucionalizados e maiores de idade — uma espécie de rampa de lançamento para a vida em autonomia. Desde 2010 estava vazia, depois de uma fase em que ali viveram oito pessoas. E, Carlos Diogo, tomando em meados de maio de 2015 conhecimento da dimensão da crise de refugiados, fixou como objetivo reabilitar aquela casa para receber quem estivesse a fugir da guerra.

Voltou a ligar-se a eletricidade na casa, envernizou-se o chão, substituíram-se os beliches velhos por camas e colchões fornecidos pelo Banco de Bens Doados, onde também se foram buscar os sofás e a televisão que ocupam a sala-de-estar. Além disso, arranjaram-se toalhas e lençóis, um fogão a gás e até uma esponja e detergente para lavar a loiça. Nem faltam dois extintores, uma enciclopédia Larousse e três volumes da “História de Portugal” de José Hermano Saraiva. “Está cá tudo, já só faltam mesmo os refugiados”, resume o diretor da Fundação Obra do Ardina.

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Esta não é a única organização que, meio ano depois de se ter aliado à PAR para receber refugiados, espera ainda pelos novos inquilinos. O Observador entrou em contacto com um total de seis organizações nesta situação. Entre elas, tal como a Fundação Obra do Ardina, duas procederam à restauração de casas para acolher refugiados: a Associação Cristã de Reinserção e Apoio Social (ACRAS), em Lisboa, e a Escola Apostólica de Cristo-Rei, em Gouveia, no distrito da Guarda.

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No caso da ACRAS, foi restaurado um apartamento “nos arredores de Lisboa”, segundo disse ao Observador Miriam Dias, assistente social naquela IPSS. As obras foram concluídas antes do fim de 2015: “Pensávamos que antes do final do ano eles já cá estariam. Mas, pronto, agora há que esperar”. Por parte da Escola Apostólica de Cristo-Rei, procedeu-se à reabilitação de uma casa de caseiros numa quinta. Segundo o Padre Carlos Jacob, a casa estava “praticamente abandonada” e os custos das obras rondam os 2 mil euros.

“Não há arrependimento”

Ao Observador, garantem que não se arrependem de terem tomado a decisão de acolher refugiados — apesar de todos os custos e de ainda não ter chegado ninguém. “Os nossos propósitos e os nossos objetivos são os mesmos e continuamos a perceber a necessidade destas pessoas, às quais esperamos vir a ser úteis”, garante Miriam Dias. Também o padre Carlos Jacob fala nesse sentido: “Não há arrependimento, porque acreditamos que aquele espaço vai ser aproveitado para o fim a que nos propusemos a seu tempo”. O pároco garante ainda que o facto de aquela casa estar vazia não implica que a Escola Apostólica de Cristo-Rei falhe na ajuda a outras pessoas para além dos refugiados: “Continuamos a ajudar quem precisa, pessoas pobres, famílias desestruturadas… Não deixámos de dar o tipo de respostas que já dávamos, uma coisa não invalida a outra”.

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Carlos Diogo, diretor da Fundação Obra do Ardina, lamenta a demora da chegada de refugiados: “Se é pela vontade do Homem que estes refugiados não vêm, então o Homem está muito doente”.

Carlos Diogo rejeita de igual forma sentir arrependimento. Em vez disso, refere algum desconforto por ter “uma casa vazia quando há tanta gente a precisar”.

“Vemos as imagens daquelas pessoas todas à chuva, presas entre fronteiras, como agora estão milhares e milhares de pessoas entre a Grécia e a Macedónia. É desconfortável ver que aquelas pessoas vivem em tendas ou em barracas, naquelas condições péssimas, quando está aqui uma casa vazia à espera delas.”

Apesar disso, o diretor da Fundação Obra do Ardina mantém-se otimista perante a perspetiva de receber refugiados. Acredita que, quando chegarem, “independentemente de quem chegar”, será uma experiência marcante, tanto para quem for acolhido, como para os jovens que vivem ao abrigo desta IPSS: “Nós quando tomamos decisões, fazemo-lo de forma pensada e organizada. Temos a esperança de poder receber refugiados e de os podermos ajudar. E assim eles também vão poder ajudar-nos enquanto instituição e também aos nossos miúdos, que de certeza que vão ganhar uma série de valores com esta experiência”.

De um total de 160 mil, só 884 refugiados foram recolocados

Até agora, Portugal comprometeu-se a receber cerca de 4 500 refugiados — um número que pode aumentar, depois de o Governo se ter disponibilizado para subir esse número para 10 mil. No entanto, ainda só chegaram cerca de 200 refugiados ao país. Mas esta realidade está longe de ser exclusiva a Portugal — dos 160 mil refugiados que os 28 países da UE se comprometeram a receber entre aqueles que estão na Itália e na Grécia (os dois maiores pontos de chegada de pessoas), ainda só foram recolocados 884.

Ao Observador, a PAR informou que reúne “mais de 300 organizações” e que até agora chegou a acordo com “cerca de 100 instituições anfitriãs” que, ao todo, poderão instalar de forma imediata 600 pessoas. “O objetivo é que cada instituição assegure à família em questão todo o processo de acolhimento e integração ao longo de dois anos”, disse fonte da PAR ao Observador, especificando que o apoio incide em “alojamento, alimentação, apoio no acesso ao trabalho, à saúde, à educação e à aprendizagem do português”.

A PAR informou ainda que, apesar da demora na chegada de refugiados ao país, não houve desistências entre as instituições que se aliaram à plataforma: “A PAR contactou, na semana passada, todas as instituições anfitriãs e verificou que, de uma forma geral, a disponibilidade se mantém”.

“A culpa é certamente dos governantes”

Enquanto isso, os 28 países da União Europeia (UE) chegaram a acordo com a Turquia. Ancara comprometeu-se a servir de destino para a recolocação de refugiados — assegurando, no entanto, que por cada pessoa acolhida na Turquia, a Europa receberá outra. Além disso, a Turquia exige à UE mais três mil milhões de euros (a somar a outros três mil milhões já prometidos) para a construção de infraestruturas para receber e acolher refugiados. E ainda refere que este gesto tem em vista uma futura integração da Turquia na comunidade europeia. Otimista, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, referiu que, perante este acordo, “os dias da imigração ilegal para a Europa terminaram”. Mas não tardaram a chover críticas por parte dos líderes dos grupos políticos do Parlamento Europeu.

No meio disto tudo, o padre Carlos Jacob tem uma certeza: a culpa do impasse na recolocação de refugiados na Europa não é da PAR nem das instituições anfitriãs, como a sua. “A culpa desta demora é certamente dos governantes, porque eles fazem com que as coisas não avancem. As coletividades já têm as infraestruturas prontas para acolher as pessoas, há todo um dinamismo na sociedade para tentar dar uma resposta mas mesmo assim aquelas pessoas continuam a sofrer”.

“Se é pela vontade do Homem que estes refugiados não vêm, então o Homem está muito doente”, aventa Carlos Diogo.