Foram 12 as crianças, todas com menos de dois anos, que beneficiaram de uma técnica inovadora para o tratamento das cataratas com que tinham nascido. Os cientistas retiraram a lente tornada opaca pela doença, mas sem removerem as células estaminais (ou células-mãe da lente). Em cerca de três meses, os olhos das crianças estavam completamente recuperados, sem registo de complicações e com melhores resultados do que as técnicas convencionais, como reportaram os autores na revista científica Nature.

As cataratas são a principal causa de cegueira em todo o mundo, referem os autores. Até à data, o único tratamento possível era a remoção cirúrgica do cristalino (a lente do olho), seguido de um implante intraocular de uma lente artificial. Mas esta técnica continua a apresentar algumas limitações e complicações e as crianças tratadas têm de ser sujeitas a outras correções oculares no futuro.

Agora, a equipa de Kang Zhang, investigador na Universidade da Califórnia (San Diego, Estados Unidos), apresenta um método minimamente invasivo em que a lente doente é removida sem retirar as células estaminais que podem regenerá-la e sem destruir o ambiente onde se podem desenvolver. Desta forma a lente pode crescer novamente mantendo as funções que desempenha na visão. O ensaio foi primeiro conduzido em coelhos e macacos, mas os bons resultados permitiram avançar com o ensaio em humanos.

“Como este novo tratamento não envolve a introdução de novas células ou células não nativas, mas pretende simplesmente preservar aquelas que existem normalmente no olho através de uma cirurgia delicada, um ensaio clínico tão precoce é justificável”, referiu, num comentário, Graham McGeown, vice-diretor da Faculdade de Medicina, da Queen’s University (Belfast, Irlanda), que não participou no estudo. “Contudo, não é claro se esta técnica vai beneficiar adultos com cataratas, nos quais as técnicas cirúrgicas atuais são normalmente bem-sucedidas.”

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Crescimento das células em zonas concêntricas, correspondendo cada zona a uma parte do olho – Kohji Nishida/Universidade de Osaka

A equipa de Kohji Nishida, investigador na Universidade de Osaka (Japão), apresentou na revista Nature uma abordagem diferente: o desenvolvimento de tecidos do olho in vitro a partir de células estaminais, que posteriormente foram transplantados com sucesso em animais.

A equipa conseguiu estender os limites daquilo que é possível recriar em laboratório, disse, num comentário, Dusko Ilic, professor em células estaminais, no King’s College London, que não participou no estudo. “Apesar de ter algum potencial no futuro, estas descobertas estão longe de poderem seguir para ensaios clínicos em humanos num futuro próximo, devido aos custos e segurança.”

Os investigadores conseguiram que células estaminais pluripotentes se diferenciassem em células da córnea. Ainda que não tenham conseguido reconstruir completamente um olho, os autores consideram que este trabalho representa um recurso promissor para novos estudos sobre o desenvolvimento ocular.

Julie Daniels, investigadora no Instituto de Oftalmologia, da University College London, referiu que é pouco provável que esta técnica se torne economicamente viável. Ainda assim, os resultados são importantes para a investigação que se venha a fazer sobre a manipulação in situ das células estaminais do olho, como no utilização da técnica da equipa de Kang Zhang em adultos.

“Ainda é uma incógnita se estas técnicas vão levar a uma transparência da córnea ou da lente que possa ser mantida a longo prazo”, alertou Julie Daniels. “Mas estes trabalhos empolgantes levam-nos para longe das terapias que envolvem uma substituição equivalente de células maduras e abrem a possibilidade de manipulação terapêutica de um espetro mais vasto do ambiente das células estaminais no olho.”