O filme, lançado em dezembro, é descrito como uma sátira sociopolítica: na ficção passada em Hong Kong em 2025, uma mulher idosa imola-se pelo fogo em protesto, um taxista desespera com a erosão da língua local (cantonense) e crianças andam nas ruas vestidas com uniformes militares, a fazer lembrar a Revolução Cultural chinesa. “Ten years” concorre nos 35.º Hong Kong Film Awards (HKFA), que serão entregues a 03 de abril.

“O filme dá voz aos sentimentos que atormentam os residentes de Hong Kong”, disse à AFP Ng Ka-leung, de 34 anos, um dos jovens realizadores de Hong Kong que assina uma das curtas que integram “Ten Years”, “Egg Man”, que mostra um vendedor de ovos sob ataque dos “guardas vermelhos” que procuram denunciar cidadãos.

“Eu queria usar o filme para responder a algumas questões que sempre quis ver respondidas, incluindo se Hong Kong tem alguma saída e como iria Hong Kong mudar”, acrescentou.

O filme foi realizado com um orçamento de meio milhão de dólares de Hong Kong (cerca de 57.400 euros) e gerou seis milhões de dólares de Hong Kong (cerca de 693 mil euros) em receitas. Não obstante o sucesso nas bilheteiras em Hong Kong, o filme está a ter dificuldades na distribuição na antiga colónia britânica. “Por que é que os cinemas não consideram o nosso filme, que foi rentável e que muitas pessoas querem ver?”, questionou Ng Ka-leung.

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Na China, o filme foi rotulado pelo jornal Global Times — publicado em língua inglesa –, de “totalmente absurdo”, “demasiado pessimista” e um “vírus para a mente”.

“Sel-Immolator”, a curta assinada por Kiwi Chow, apresenta uma cena comum no Tibete, em que ativistas recorrem à imolação pelo fogo para protestar contra o controlo de Pequim, mas da qual não há registo em Hong Kong. “Eu não quero que a minha história se torne realidade”, disse Chow, de 37 anos.

As liberdades de Hong Kong estão protegidas pelo princípio ‘Um país, dois sistemas’, que também se aplica em Macau e ao abrigo do qual a antiga colónia britânica passou para a China em 1997, mas os receios têm aumentado sobre a crescente influência de Pequim no território, desde a política à educação e imprensa, e sobre o futuro da região administrativa especial chinesa.

Nos últimos meses, foram conhecidas as detenções na China de cinco livreiros que publicavam em Hong Kong livros críticos de Pequim. E na noite de 8 de fevereiro, véspera da entrada do Ano Novo Lunar, a cidade foi palco dos piores confrontos entre jovens e a polícia desde a ocupação das ruas por manifestantes em 2014.

Críticos de cinema dizem que a população de Hong Kong quer ver estes assuntos diretamente abordados. “Há vários filmes políticos em Hong Kong, mas eles usam metáforas e formas indiretas para contar a história”, disse à AFP o crítico de cinema em Hong Kong Dominic Li. “Em ‘Ten Years’, eles são bastante diretos e atacam a presente situação em Hong Kong”, acrescentou.

O filme vai estar no Osaka Asian Film Festival, no Japão, e vai ser exibido em Taiwan. Em Hong Kong vai poder ser visto em 30 exibições comunitárias a 01 de abril.