Os dados estão lançados e a guerra das auditorias externas e independentes à gestão da Caixa Geral de Depósitos vai recomeçar. Na primeira vez que falou publicamente desde que assumiu o cargo de presidente do conselho de administração da Caixa, António Domingues revelou, no Parlamento, que, ao contrário do que o Governo chegou a aprovar, em junho, a nova administração nunca foi “incumbida” de levar a cabo nenhuma auditoria à gestão do banco público desde 2000. Em que ficamos? Haverá auditoria, sim, mas só depois de terminado o processo negocial para fechar o plano de recapitalização, esclarece o Governo.

Questionado pelo Observador sobre a aparente contradição, o Ministério das Finanças respondeu que “a abertura de uma auditoria independente, que abrange o período de 2000 a 2016, aprovada em Conselho de Ministros, será solicitada posteriormente” [ao processo de recapitalização]. Em causa está uma resolução aprovada no Conselho de Ministros do dia 23 de junho, que dá conta da decisão do Governo de “incumbir a nova administração da CGD de proceder à abertura de uma auditoria independente a atos de gestão da CGD praticados a partir de 2000”.

Acontece que, mais de três meses depois dessa decisão, e quase um mês depois de a nova administração da Caixa ter assumido plenas funções, António Domingues admitiu esta terça-feira aos deputados da comissão parlamentar de inquérito que não foi “formalmente incumbido de fazer essa auditoria”. E mais: que nem concordava que fosse a própria Caixa a pedir uma auditoria à sua atuação nos últimos dezasseis anos, mas que devia ser uma entidade independente, como o Banco de Portugal, na qualidade de supervisor da banca, a pedir (e a pagar) essa auscultação. António Domingues disse até que já tinha informado o Banco de Portugal e o Ministério das Finanças disso mesmo.

Na resposta ao Observador, o Ministério das Finanças acrescenta que o que está em curso, para já, é “um trabalho de auditoria do conselho de administração com os auditores da Caixa Geral de Depósitos, prosseguindo os compromissos assumidos entre todas as partes envolvidas no processo de capitalização acordado com a Comissão Europeia”. Processo esse que ainda não está totalmente fechado. Tal como António Domingues disse aos deputados, essa auditoria que está em marcha é uma auditoria feita pela Deloitte para apurar as necessidades efetivas de capital da Caixa. E é com base nos resultados dessa auditoria, que Mário Centeno espera ter em mãos até ao fim do ano, que serão apurados os reais montantes de capitalização que serão usados para o banco público.

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Só depois disso, o Governo diz que dará seguimento ao pedido de auditoria independente à gestão da Caixa para apurar o que se passou nas últimas décadas para a situação ter chegado ao ponto em que está hoje. “A prioridade agora é encerrar o plano de recapitalização, que ainda não está totalmente fechado em Bruxelas”, disse na terça-feira o deputado do PS João Paulo Correia quando questionado pelos jornalistas sobre o pedido de auditoria independente aprovado pelo Governo que não chegou a ter seguimento.

Certo é que o PSD agarrou logo a aparente falta de palavra do Governo para sugerir que a decisão do Governo de aprovar um pedido de auditoria, ainda em junho, possa ter sido “um logro do ministro das Finanças para que a maioria de esquerda não tenha aprovado a auditoria do PSD”, já que, na altura, a proposta dos sociais-democratas foi vista como redundante porque a auditoria já estaria a ser pedida pelo executivo. Em junho, a proposta do PSD de pôr uma entidade independente como a Assembleia a pedir (e a contratar) uma auditora para analisar a gestão da Caixa acabaria chumbada pelo próprio Ferro Rodrigues que considerou não ser constitucional pôr a Assembleia da República a desempenhar essa função.

Acabaria por ser o Bloco de Esquerda a ver aprovada, em julho, uma proposta de recomendação ao Governo, para ser o Governo a pedir ao Banco de Portugal uma auditoria especial à carteira de crédito da Caixa Geral de Depósitos. Perante estes dois pedidos — o do Governo, aprovado em Conselho de Ministros, e o do BE, aprovado na Assembleia — António Domingues afirma que chegou a falar com Ferro Rodrigues e com o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, no sentido de chutar para o supervisor da banca a realização dessas auditorias, uma vez que tinham como objeto os atos de gestão passados da Caixa.

“Tive conhecimento de que o Governo tinha tomado uma resolução e a Assembleia da República também. Relativamente a isso, tive ocasião de falar com o governador do Banco de Portugal, e defendi que, uma vez que essas auditorias dizem respeito ao passado da Caixa, não deviam ser da responsabilidade do Conselho de Administração, mas deviam ser coordenadas pelo supervisor”, disse no Parlamento, sublinhando no entanto que acatará as ordens do acionista. Isto é, do Governo. A ordem, para já, é de não avançar, e esperar primeiro pelo apuramento dos montantes exatos para a recapitalização.