“Pronto para uma batalha fantástica”, anunciou Antonio Tajani, glorioso, em dezembro, assim que garantiu o apoio do Partido Popular Europeu para candidatar-se à presidência no Parlamento Europeu. Mal sabia o italiano que a eleição só seria ganha depois de uma longa batalha rodeada de intensas negociações de bastidores.

Jogou-se tudo entre a terceira e a quarta rondas. Num primeiro momento, os Conservadores e Reformistas Europeus (ECR) ensaiaram um recuo no apoio que já tinham manifestado a Tajani, através da presidência do grupo: um comunicado, publicado no site do grupo parlamentar, criticava abertamente o PPE pelo acordo que tinha fechado com os Liberais (ALDE) e agitava as negociações em cima da quarta ronda de votações (algo que só não era inédito porque, em 1982, os eurodeputados já tinham arrastado a votação até à quarta ronda). “O grupo ECR recusou dar apoio ao acordo entre Populares Europeus e Liberais, por considerar que em muitos aspetos esse acordo representa as políticas falhadas do passado”, referia o comunicado divulgado pelos Conservadores.

Bluff político para ganhar vantagem negocial. Cerca de uma hora depois, o twitter do grupo dava indicações contrárias, ao garantir um apoio claro a Tajani: “Depois de Antonio Tajani estabelecer uma série de compromissos políticos, o grupo ECR vai apoiar a sua candidatura na ronda final”. O ECR não deixou claro que compromissos estiveram em cima da mesa nesse momento derradeiro, mas a movimentação dos Conservadores matou definitivamente as aspirações de Pittella, minutos antes de os eurodeputados entrarem na sala para o último momento de votações. O resultado final – 351 votos de Tajani, 282 de Pittella – confirmou o que se anunciava minutos antes.

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Maratona de votações

O dia tinha começado quase 11 horas antes. Ainda os candidatos não tinham feito a sua apresentação formal, de três minutos, e já Guy Verhofstadt protagonizava a primeira surpresa do dia. O antigo primeiro-ministro belga chegou ao plenário como candidato à presidência mas rapidamente anunciou que o seu nome não constaria dos boletins de voto. A Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa (ALDE) transferia assim os seus 68 votos para Tajani, resultado de um acordo fechado minutos antes de os eurodeputados entrarem para o plenário.

Num documento publicado no site do ALDE para justificar o ziguezague do grupo em menos de duas semanas, os Liberais assinalavam a ideia de que “a Europa está em crise” e apontavam o dedo a nacionalistas e populistas por tentarem “destruir a União de dentro para fora” – os mesmos populistas de que fazem parte os eurodeputados do Movimento 5 Estrelas, com quem Verhofstadt tentou acertar um acordo rejeitado depois pelo grupo político que lidera.

Contra esses populistas, dizia o comunicado do ALDE, era importante uma “coligação” que fizesse contrapeso a essa tentativa de destruição do projeto europeu. O pragmatismo de Verhofstad valeu aos Liberais a presidência da conferência dos presidentes das comissões parlamentares, um órgão que coordena a atividade das várias comissões, com um peso político considerável dentro do Parlamento Europeu. E abria-se uma nova fase na vida política do parlamento.

“A partir de agora, os pedidos do ALDE e do ERC vão ter prioridade sobre os pedidos dos socialistas. Nova coligação”, analisava no twitter o eudeputado Popular Siegfried Muresan.

Quando o belga anunciou a sua desistência, os espíritos gelaram na bancada da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D) – e não foi por culpa dos quatro graus negativos que se faziam sentir em Estrasburgo às primeiras horas da manhã. Gianni Pittella, também italiano, também candidato ao lugar que o alemão e social-democrata Martin Schulz deixava vago ao fim de cinco anos, via encolher as suas hipóteses de vencer a corrida. Os socialistas carregaram em força contra Verhofstad. “A Europa precisa de transparência e de abertura, não de acordos com amigos de Berlusconi“, criticava a eurodeputada socialista Kathleen Van Brempt. Tajani, a quem Verhofstadt tinha dado o braço, foi conselheiro e amigo de máxima confiança do antigo primeiro-ministro italiano.

Com os votos da sua bancada (217) e com os recém-conquistados votos dos Liberais (os tais 68), Tajani somaria, em tese (porque nem todos os eurodeputados votam e nem todos os votos são considerados válidos), 285 votos. Ficaria, assim, a 91 da maioria absoluta, um resultado que lhe garantia a vitória na corrida e evitava sucessivas rondas de votação.

Aconteceu tudo ao contrário. Na primeira votação, o ex-comissário europeu, eleito pela Forza Italiana de Sílvio Berlusconi (e que Tajani ajudou a fundar) conquistou 274 votos. Mesmo depois de ver a presidência dos Conservadores e Reformistas Europeus desviar o sentido de voto – retirando o apoio a Helga Stevens, que entrou na corrida em nome do grupo e até conseguiu um terceiro lugar nas três votações em que pode participar –, na segunda ronda Tajani continuou longe da vitória. Subiu para os 287 votos a favor, mas continuava a 59 da maioria absoluta.

Foi quanto bastou para que o tal cenário, pouco comum, voltasse a acontecer. Depois de 1982, 1987 e 2002 (com a eleição de Pieter Dankert, Henry Plumb e Pat Cox), esta foi a quarta vez que os eurodeputados precisaram de cumprir três rondas de votação para a eleição do Parlamento Europeu.

Suficiente? Nada disso. Os dois italianos voltaram a ser os mais votados, mas ficavam ainda distantes da maioria absoluta.

Vitória dedicada às vítimas italianas

Só uma jogada política de última hora dos Conservadores desbloqueou a votação. Já passava das 21h em Estrasburgo quando Martin Schulz anunciou os resultados. Numa curta declaração, o alemão passou o testemunho a Tajani. “Il presidente”, anunciou à sala a funcionária do Parlamento Europeu, cumprindo a tradição de anunciar a chegada do responsável máximo da instituição na língua de origem do presidente em funções.

Na curta intervenção que fez ao plenário, Antonio Tajani dedicou a vitória “às vítimas do terramoto” em Itália (qual, não especificou) e lembrou “os que sofrem neste momento, os que não têm casa e não tem trabalho”. O italiano enviou ainda “mensagem forte de solidariedade” às vítimas do terrorismo e garantiu respeito pela pluralidade do parlamento: “Serei o presidente de todos, respeitarei todos os deputados, todos os grupos”, anunciou Tajani.