De manhã, após o conhecimento público do atropelamento mortal de Marco Ficini, as atenções de Sporting, Benfica, Liga de Clubes, Federação e até Presidente da República estavam centradas na tentativa de serenar os ânimos e impedir que se registassem mais problemas no dérbi da noite; à tarde, imediações do estádio à parte, o foco estava num jogo com caráter decisivo para a Primeira Liga. Mas foi também nesse período que aquilo que poderia ter sido uma quase histórica aproximação dos rivais acabou por ser motivos de trocas de palavras mais azedas.

Durante a tarde, Bruno de Carvalho enviou uma missiva ao homólogo Luís Filipe Vieira com um convite para a tribuna presidencial. Era uma tentativa de acalmar os ânimos num dia especialmente tenso em Alvalade. No texto, que o Record publicou na íntegra, o presidente do Sporting admitia as divergências mas explicava a importância de um sinal público de serenidade e dava um “toque”: era importante que os encarnados se demarcassem de forma inequívoca das suas claques, as únicas não legalizadas entre os “grandes”.

“Exmo. Senhor Luís Filipe Vieira
Presidente do SL Benfica

Sem prejuízo da manutenção da ausência de relações institucionais, o respeito pela diferença e pelos valores do desporto e do fair-play, tal como muito bem foi dito no vosso recente comunicado, tem de estar acima de qualquer clube.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Mais uma morte de um adepto do Sporting CP não pode deixar de ser firmemente condenada e deve ser recordada e usada para que, de uma vez por todas, não voltem a repetir-se mais lutas entre adeptos de clubes.

Um crime é um crime!

O Sporting CP não confunde mais um trágico acontecimento com a necessidade de haver fair-play e respeito dentro e fora das quatro linhas e uma política firme por parte dos clubes para com aqueles que, mesmo que sejam seus adeptos, se comportem como criminosos.

Um jogo é um jogo. A nossa atitude enquanto líderes de massas determina o exemplo que queremos dar. Bem sei que enquanto presidente, e como oportunamente foi denunciado por mim, nos últimos quatro anos a sua atitude não tem sido a mais adequada em acontecimentos similares ou na evocação dos mesmos por parte de adeptos do clube a que preside, mas tenho sempre esperança que a partir deste momento altere a sua visão sobre o assunto.

Tenho confiança na capacidade de regeneração do ser humano. Espero por isso que, depois dos acontecimentos devidamente investigados, e se se concluir que por detrás destes factos está um crime perpetrado por um adepto do Benfica, dê um passo nesse sentido e que, finalmente, se demarque de forma pública e sem reservas, de criminosos e de claques ilegais.

Na expectativa de que subscreva o conteúdo integral desta carta e de melhor lhe demonstrar que sei bem, nesta luta contra a violência no desporto, que nem todos têm demonstrado vontade e empenho neste combate que tem que ser prioritário, gostaria de o convidar a assistir ao jogo de hoje na Tribuna do Estádio Alvalade XXI.

Violência, não! Nunca e contra ninguém!”

Luís Filipe Vieira não gostou dos comentários que eram feitos na missiva e, além de declinar o convite para estar na tribuna presidencial, criticou o convite “carregado de juízos de valores prévios” que parecia ter sido feito com o intuito de ser recusado à partida. Ainda assim, o líder das águias salientou que gostaria de ter uma relação de cordialidade com o Sporting, como se pode ler no final da missiva.

“Exmo. Senhor Presidente do Sporting Clube de Portugal

Quando existe uma intenção clara de adotar os valores de fair-play e do respeito mútuo como prática diária e quando se pretende partir para um processo construtivo de relações entre clubes, tal deve ser feito através de gestos genuínos que não partam de convites carregados de juízos de valores prévios com claras intenções de levar a que o presente convite nunca pudesse ser aceite nos termos em que foi formulado.

Foi o Presidente do Sporting Clube de Portugal como publicamente assume, que adoptou como estratégia o confronto diário com a instituição Sport Lisboa e Benfica.

E hoje, num momento que requer de todos o máximo cuidado e rigor e em que um lamentável acontecimento ocorre, ao invés de procurar de forma sóbria não confundir os incidentes ocorridos esta madrugada com o jogo que se inicia daqui a pouco, tal como as próprias forças de segurança publicamente fizeram questão de expressar, promove um convite com pressupostos acusatórios que obviamente é a forma errada de se apelar ao bom senso, moderação e são convívio entre todos.

As mudanças devem resultar de atos consistentes, sistemáticos e diários por parte de todos nós, mas esteja certo que da parte do Sport Lisboa e Benfica reiteramos a disponibilidade de nos órgãos e momentos próprios trabalharmos com todos os clubes para a melhoria do ambiente no futebol português e reiteramos que da nossa parte, muito gostaríamos de ter uma relação de cordialidade com a instituição Sporting Clube de Portugal, rival de uma história centenária comum que muito nos deve orgulhar.

Luis Filipe Viera
Presidente do Sport Lisboa e Benfica”
Lisboa, 22 de Abril

Bruno de Carvalho, quando já estava na zona da tribuna presidencial, falou à Sporting TV e à Sport TV e lamentou a recusa, assegurando que, se tivesse sido ao contrário, teria aceite a proposta. Ao mesmo tempo, o presidente dos leões voltou a reforçar a condição de refém dos dirigentes encarnados em relação às suas claques.

Lamento que uma grande instituição como o Benfica seja refém das suas claques ilegais e que o seu presidente não tenha coragem de alterar essa situação. Quando um convite deste género é rejeitado devido à forma e não ao conteúdo, está tudo dito. É pena que nestes quatro anos tenha assistido a tarjas a gozar com um adepto morto com um very light e a petardos lançados sobre a famílias em Alvalade e mais uma vez nada foi feito. Por isso é que escrevi o que escrevi. Nestes quatro anos, não vi o presidente do Benfica ter atitudes que condenem essa atitudes lamentáveis. Isto é um jogo, não vamos fazer ainda pior. Vamos ter elevação”, referiu o presidente do Sporting.

Após o encontro, a reação de Luís Filipe Vieira na zona mista foi dura. “Há 15 ou 16 anos tivemos na nossa casa um demagogo, um mentiroso compulsivo que arrastou a nossa instituição para uma situação muito dramática. Felizmente conseguimos recuperar e trazer para onde está hoje. Quando recebi aquela carta, recordei esses tempos do demagogo, do populista, do mentiroso compulsivo. Um dia mais tarde vão dar-me razão. Tivemos a humildade de receber essa carta, sendo que pediram o meu email a um empresário, que é caricato, mas recebemos algo que nos estava a acusar não sabemos de quê. Demos a resposta que todos sabem qual foi”, destacou.

“Lastimo profundamente o que se passou . Houve um homem que faleceu perto da Luz atropelado, entregámos desde manhã todas as imagens não trabalhadas e com som à polícia, é fácil identificar as pessoas. Mas temos que fazer uma pergunta: sendo adeptos do Sporting, o que estavam a fazer junto da estátua do Cosme Damião às três da manhã? Seria para tirar fotografias ao Cosme Damião? Seria para tirar fotografias ao Eusébio? Não sei. O que sei é que provocação gera violência, e violência gera violência e assim sucessivamente“, acrescentou o líder do Benfica.