PS, PCP e BE foram acusados de “matar” esta quinta-feira a comissão de inquérito à recapitalização e gestão da Caixa Geral de Depósitos (a chamada comissão número um), mas decorrem ainda as audições no âmbito da comissão número dois, sobre a nomeação e a demissão da administração de António Domingues da Caixa Geral de Depósitos. Depois de António Domingues, Carlos Costa e Ricardo Mourinho Félix, esta quinta-feira foi a vez do ministro das Finanças, Mário Centeno, ser questionado sobre o suposto acordo que houve, ou não, com António Domingues para desobrigar os administradores de entregarem as suas declarações de rendimento e património no Tribunal Constitucional.

Mas Mário Centeno rejeitou qualquer compromisso, embora os deputados da oposição o tenham confrontado com declarações de António Domingues em sentido contrário. Para o ministro, o compromisso que houve foi apenas no sentido de isentar a Caixa do Estatuto de Gestor Público, sendo que nunca foi abordada uma eventual alteração à lei 4/83, a única que diz respeito ao controlo público de riqueza dos titulares de cargos políticos. A questão de os administradores da Caixa poderem ficar desobrigados de apresentar as suas declarações de rendimentos e património aos juízes do TC foi abordada, admitiu Centeno, mas só de forma “ocasional”. Nem se recorda quantas vezes o tema esteve em cima da mesa.

Dispensando a habitual exposição inicial, Mário Centeno começou logo a responder às perguntas dos deputados, começando pelo CDS, que confrontou o ministro com as declarações feitas por António Domingues nesta mesma comissão. Mário Centeno confirma que “o assunto das declarações de património foi abordado”. Mas em que termos? “Em termos menos assertivos do que está escrito na carta” enviada por Domingues às Finanças em novembro, quando dizia que o Governo tinha deixado de ter condições políticas para dar seguimento ao compromisso, explicou o ministro.

Ou seja, o tema foi abordado, mas apenas de forma “ocasional”, disse, e não “central”. O único compromisso que Mário Centeno diz ter firmado com a administração da Caixa foi o da isenção do banco do Estatuto do Gestor Público, para evitar tetos salariais e incentivos remuneratórios restritos. Para o ministro, esse foi o único compromisso feito, e foi cumprido. Portanto, “não houve aqui nenhum ato escondido porque foi transparente, como são os atos legislativos”, acrescentou.

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Tudo o resto que António Domingues possa ter interpretado como condição inerente à retirada da CGD do estatuto de gestor público não é mais do que um “juízo”, logo uma “valoração”, afirmou Centeno. Questionado pelo deputado do CDS João Almeida sobre o facto de a isenção da obrigação declarativa ser “sim ou não”, “preto ou branco”, Mário Centeno respondeu que não era nem preto nem branco, mas sim “da cor do decreto-lei para retirar a Caixa do Estatuto do Gestor Público”. Ou seja, só se decidiu isso e nada mais — com as implicações decorrentes da retirada do banco daquele estatuto.

Para além disto, o ministro das Finanças realçou ainda que, apesar de ter sido mexida a lei que regula o estatuto de gestor público, nunca foi debatida pelo Governo a possibilidade de dar a isenção integral do estatuto de gestor público aos administradores da CGD. Questionado pelo deputado do PSD Sérgio Azevedo sobre se tinha sido falada dentro do executivo a possibilidade de dar isenção integral do estatuto de gestor público à equipa de gestão da Caixa Geral de Depósitos (CGD), Mário Centeno afastou essa hipótese.

“Essa questão não foi debatida dentro do Governo. Não foi por ele [António Domingues, ex-presidente do banco estatal] sequer levantada junto do primeiro-ministro. Essa questão não estava levantada dentro do Governo”, garantiu.

Depois de Mário Centeno ter dito e voltado a dizer que não houve acordos desse tipo, o deputado do BE Moisés Ferreira ainda questionou se, na primeira carta enviada por Domingues ao Governo a expressar vontade de aceitar o cargo (a 14 de abril), a manifestação de aceitação era uma “aceitação condicional”. “Quando é que o Governo aceitou essas condições?”, perguntou. Mas Mário Centeno limitou-se a dizer que “não tinha uma data para lhe dar”, nem sequer soube dizer “quantas vezes a matéria das declarações de rendimentos foi abordada”. Isto porque, repetiu, “não era da relevância das outras”.

Carta de renúncia de Domingues é “omissa” sobre declarações de rendimentos

Já quando questionado pelo deputado comunista Miguel Tiago sobre se em algum momento das negociações tinha sido abordada uma eventual alteração à lei de 1983 (sobre o controlo público de riqueza em titulares de cargos políticos), Mário Centeno disse que “não”. “Nunca foi abordada essa lei”. Logo, disse, “decorre daí que a obrigatoriedade de os gestores declararem os seus rendimentos e património nunca foi extinta”.

E sobre as declarações feitas por Lobo Xavier (advogado, comentador televisivo e administrador não executivo do Banco BPI), que “disse na televisão que teve acesso a uma longa troca de documentos [entre Domingues e as Finanças], inclusive, os famosos SMS“, o ministro sublinhou que “algumas declarações feitas não correspondem à verdade”, e que não existe base material que as comprovem. Ou seja, Centeno insiste (e repetiu-o várias vezes na audição) que não há documentos escritos que provem que houve essa combinação. Nem tão pouco a carta de renúncia o prova.

Então, se não houve falta de compromisso no que toca à isenção de declarar rendimentos e património ao Tribunal Constitucional, porque é que António Domingues se demitiu?, questionou o social-democrata Sérgio Azevedo, depois de o deputado bloquista Moisés Ferreira ter sugerido que a alteração legislativa tivesse sido feita sem referências às declarações de património “para ver se passava”. Mas, na resposta, Mário Centeno remeteu para a carta de renúncia de Domingues. “Está na carta de renúncia, e ela é omissa do que o senhor deputado gostaria que lá estivesse. Mas isso é um problema entre o senhor deputado e a carta de renúncia, não me envolve a mim”, disse o ministro.

A verdade é que os famosos SMS, que deram origem à constituição desta segunda comissão de inquérito, nunca foram formalmente pedidos nem pelo PSD nem pelo CDS. No âmbito da comissão de inquérito, os dois grupos parlamentares da direita pediram acesso a todas as “declarações, notas ou comunicados” sobre as negociações. Mas não especificavam os SMS.

Esta é, de resto, a 11ª vez que Mário Centeno é chamado ao Parlamento para falar sobre os vários assuntos relacionados com a Caixa Geral de Depósitos, segundo lembrou o próprio ministro. “Gostava de saber se alguma vez houve uma exposição destas sobre um assunto que não pode ter essa exposição. A CGD é um banco que está de portas abertas e vive em concorrência de mercado”, sublinhou.