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Tito Paris: “Gostava de ver uma bandeira da lusofonia”

Este artigo tem mais de 5 anos

Tito Paris demorou 15 anos a reunir as canções de “Mim ê Bô”, o novo álbum de estúdio. Elas prestam homenagem à cultura lusófona, nelas cabe uma vida inteira. E alguns sonhos.

Tito Paris, 54 anos, é um dos artistas mais populares da música lusófona de raiz africana. Natural de Cabo Verde, vive em Lisboa desde os 19 anos, mas o talento, experiência e atitude fizeram dele embaixador da música cabo-verdiana.

Viaja pelo mundo a espalhar a morna e o funaná, os ritmos que embalam o crioulo e com eles a cultura do país onde nasceu e que o honraram com o título de embaixador cultural do país — Tito Paris tem visto diplomático. Já em abril deste ano, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa agraciou o artista com a Ordem de Mérito, um título que recebeu com “alegria e orgulho” mas, sobretudo, com grande sentido de “responsabilidade”, como contou na semana passada ao Observador.

O mote da entrevista foi a edição do quinto álbum de estúdio, Mim ê Bô, editado no dia 23 de junho. O pretexto tinha de ser assinalado: Tito Paris não publicava originais há 15 anos, tempo a mais longe das gravações.

O artista que se estreou nos discos em 1987 com um álbum de instrumentais (Fidjo Maguado) porque “não sabia que sabia cantar”, fez-se um homem de voz e convicções firmes. Falou-nos do novo álbum, de sonhos e frustrações. E acrescentou que não vamos ter de esperar mais 15 anos: “Daqui a um ano ou dois teremos um novo disco”.

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Capa do novo álbum de Tito Paris, editado a 23 de junho

Mim ê Bô demorou muito tempo a fazer. Porquê?
Durante estes 15 anos andei a fazer muitos concertos pelo mundo, não houve tempo para entrar no estúdio. Claro que fui compondo, de vez em quando gravava uma base…

Mas durante 15 anos não teve vontade de gravar um disco?
Claro que tive, mas o problema é sempre o tempo. Andei muito tempo a cantar em Angola, Brasil, Estado Unidos, na Europa de Leste e na Ásia, também, vou muito para lá. Passo muito tempo fora de casa, e quando estou em estúdio não gosto de estar a pensar em concertos. Foi só essa a razão. Mas ao longo destes anos fiz parcerias com vários artistas, ganhei experiência, de palco e das viagens, do mundo. E também cantar a minha música e a música de Cabo Verde.

Mas olhando para estas 13 canções [apontando para o CD], quanto tempo é que demorou a gravar este álbum?
Tudo tudo? Os 15 anos. A sério.

15 anos? Mas consegue olhar para este CD e dizer-me quando foi gravado o quê?
Olha, “Cidade Velha” [faixa de abertura] deve ter p’raí uns…. 12 anos. Mas a mais velha foi “Doce Paixão” [faixa número 12], onde conto a história da minha saída de Cabo Verde. Não sei precisar quando foi que gravei. Depois tenho aqui alguns temas que não são meus.

Mim ê Bô quer dizer o quê?
Quer dizer “eu sou tu”.

E porque é que escolheu esse nome, o que é que quer dizer com isso?
Os amigos, quando são mesmo amigos, dizem “mano, eu estou aqui. Alguma coisa, eu sou tu”. Tenho um grande amigo em Cabo Verde com quem uso muito esta expressão. Há alguns anos, talvez uns dez, um fã meu perguntava-me sobre quando é que saía um disco novo, dizendo-me “eu espero o tempo que for preciso, porque mim ê bô”. A frase colou.

Este disco fala de quê?
Resumindo, é uma ponte de música do espaço lusófono. Porque tenho vários convidados, do Brasil, Portugal e Cabo Verde, mas outros sons também. Por exemplo, o funaná que é tocado com concertina ou com gaita, aqui aparece com orquestra. Tentei misturar sons e instrumentos do espaço lusófono.

Este álbum presta, de alguma forma, homenagem ao passado? Tem aqui Bana a cantar B.Leza com Tito Paris em 2017… Há aqui uma linha para o passado, que cruza gerações.
Sim, há, porque essa música é de 1932. O Bana gravou essa música [“Resposta de Segredo do Mar”] devia ter uns 35 ou 36 anos. Desde criança que ouço essa música, sou fã de B.Leza, e decidi gravá-la. Depois, uma vez quando fui visitar o Bana ao hospital disse-lhe que a tinha gravado. Perguntei-lhe se a queria cantar e ele respondeu: “essa música é difícil”.

Difícil porquê?
Dizia ele que era por causa da extensão e das oitavas, por causa da mudança de tom. Ele era muito bom nisso. Ele ficou contente e disse-me “então marca o estúdio antes de eu morrer.” (pausa) Na altura em que teve alta, marquei o estúdio, ele foi lá e gravou a voz. Depois teve uma recaída, voltou ao hospital e morreu [em 2013]. Esta foi a última canção que gravou.

Tito Paris e Bana em estúdio, durante a gravação de “Resposta de Segredo do Mar”

Em Mim ê Bô tem uma canção com Boss AC. Como é que se cruzaram?
O Boss AC é como se fosse um irmão mais novo, porque eu cresci com os pais dele, em Cabo Verde. Nós temos um relacionamento de família. Um dia liguei-lhe e disse-lhe “eu fiz uma música que tem a sua cara”. Certo dia e ele foi ter comigo ao estúdio, lá pus a música e ele gostou imenso. E escreveu ali mesmo a parte dele. Isso deu à música [faixa “Bô”] uma lufada de ar fresco, porque ele é um jovem, não é? O produto final foi fantástico, ter ali o Boss AC é um luxo.

Qual é a sua opinião sobre a atual música de raiz cabo-verdiana? Pergunto isto porque temos aqui em Portugal uma geração de músicos de Cabo Verde que acabaram por entrar noutro tipo de sonoridades, como o hip hop.
Eu respeito todos os caminhos, sobretudo os que falam de Cabo Verde. Eu preocupo-me quando os jovens não querem saber da nossa cultura. Ainda agora cheguei de Cabo Verde e encontrei lá jovens de vinte e poucos anos a tocar música cabo-verdiana como ninguém, fiquei muito contente. Claro que se nota a evolução em termos de harmonia, o que é bom.

O Tito Paris é muitas vezes descrito como o grande embaixador da música de Cabo Verde. O que é que sente quando lhe dizem isso?
Responsabilidade, muita responsabilidade, é uma coisa que vou carregar para sempre. Sinto-me honrado por isso, que as pessoas reconheçam isso. O Estado cabo-verdiano destacou-me como embaixador da música de Cabo Verde para o exterior, é por isso que tenho passaporte diplomático. Isso faz com que tenha muito cuidado em preservar a música cabo-verdiana.

Também foi por isso que foi ordenado Comendador pelo Presidente da República [Marcelo Rebelo de Sousa], em abril passado. O que é que sentiu?
Senti ainda mais responsabilidade, porque agora sou comendador num país onde eu não nasci mas que eu também sinto como meu país. Ser reconhecido pelos portugueses, acima de tudo, pelos artistas e pelo público português. Recebi essa condecoração com muita alegria, com muita satisfação e orgulho. Nada mudou na minha vida, a não ser a responsabilidade, que aumentou ainda mais.

Nesse dia o Tito disse “Eu não sou homem de discursos, só sei cantar”.
Verdade…

Depois acrescentou: “É mais um sonho” concretizado na sua vida. Que outros sonhos tem para realizar?
Tenho vários. Por exemplo, fazer chegar a música de Cabo Verde a outros pontos do mundo, cantada com cantores internacionais. E também gravar um disco sinfónico, com cabo-verdianos a cantar em crioulo.

Isso já foi feito?
Acho que não. E já cantei com orquestra, mas sinfonia é uma coisa que ainda está por fazer.

Agora outra coisa, queria perguntar-lhe
Tenho outro sonho, posso acrescentar?

Claro!
Olhando para este CD [Mim ê Bô], que eu considero ser do espaço lusófono… Eu também gostaria de ver uma bandeira da lusofonia, como a da União Europeia, que nos representasse a todos.

Uma espécie de bandeira da CPLP?
Exatamente. Que nos habilitasse a todos viajar sem essa coisas dos vistos, que é uma vergonha. Para ir para Angola, Moçambique ou Cabo Verde é preciso um visto. Fico triste quando vejo um artista angolano ou moçambicano na fila à espera de um visto para ir cantar a Cabo Verde. Com todo o respeito, os ministros da CPLP tem trabalho a fazer sobre isto. Isto é uma crítica construtiva!

Acha que Portugal trata bem a lusofonia?
Acho que sim. Mas poderia tratar melhor. Por exemplo, eu sou contra, quando um grupo chega de Angola ou de Cabo Verde ou de Portugal em Cabo Verde, portanto dentro do espaço lusófono, e encontra aquela fila enorme para o visto, às vezes para chegar num dia para tocar e ter de regressar no outro. Os Estados deveriam facilitar o processo.

Certo, mas isso faz parte do que dizia há pouco, da ausência do tal espaço lusófono.
Sim, isso devia ser tratado por Portugal — e pelos outros países lusófonos, claro. É esse o sonho que eu tenho de ver uma bandeira lusófona, da CPLP, que nos toca a todos.

Porque é que acha que isso ainda não foi possível?
Não sei se trabalham mal, ou se não foi pensado, ou se algum país faz pressão para que isso não aconteça, não sei. Devia haver uma pessoa com muita coragem, da mesma forma que se criou a União Europeia. Foi uma pessoa com muita coragem, que motivou outras. É o que falta à CPLP, é coragem.

Coragem política?
A coragem política de dizer “vamos ter uma bandeira, vamos tratar desta coisa dos vistos, etc, etc.” Isto já não é bom, já tivemos esse problema na Europa há muitos anos, agora temos entre os nossos países. Fico triste.

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