“Eh pá f*****”, desabafou Rui Vitória no banco após o golo do Rio Ave logo a abrir a segunda parte, no seguimento de um erro de Cervi em zona proibida, daqueles erros que não aconteciam no Benfica e que agora se vão vendo em quase todos os jogos. O treinador parecia estar a adivinhar o que se passaria depois: houve um penálti falhado, uma lesão com as substituições esgotadas, outras oportunidades desperdiçadas, um adversário pragmático dentro da área. Resultado final? Uma semana depois do afastamento da Europa na pior campanha de sempre de um conjunto português, os encarnados estão eliminados da Taça de Portugal (competição que venceram no ano passado) após perderem no final do prolongamento em Vila do Conde por 3-2.

Mas aquele desabafo baixinho, apenas percetível graças às câmaras televisivas, deverá ter sido suficientemente alto para se ouvir na China, onde se encontra Luís Filipe Vieira. O Benfica começou a temporada a ganhar a Supertaça, está no terceiro lugar do Campeonato a três pontos dos líderes e ainda têm a Taça da Liga, mas as derrotas na Liga dos Campeões e na Taça de Portugal materializam algo óbvio que é complicado de mascarar: por sub-rendimento de algumas peças-chave, por inoperância coletiva em alguns momentos de jogo ou por claras falhas defensivas, os encarnados caíram em relação às últimas épocas. Com janeiro à porta, é tempo de reflexão. Mas, verdade seja dita, os primeiros 45 minutos do encontro não faziam antever um desenlace destes.

Ficha de jogo

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Rio Ave-Benfica, 3-2 (a.p.)

Oitavos-de-final da Taça de Portugal

Estádio do Rio Ave, em Vila do Conde

Árbitro: Fábio Veríssimo (AF Leiria)

Rio Ave: Cássio; Lionn (Nadjack, 80′), Nélson Monte, Marcelo, Yuri Ribeiro; Pelé, Tarantini, João Novais (Barreto, 76′); Francisco Geraldes (Leandrinho, 104′), Rúben Ribeiro e Guedes

Suplentes não utilizados: Rui Vieira, Nuno Santos, Marcão e Yazalde

Treinador: Miguel Cardoso

Benfica: Bruno Varela; André Almeida, Luisão, Jardel, Grimaldo (Seferovic, 85′); Fejsa, Pizzi (Raúl Jiménez, 69′), Krovinovic; Salvio, Cervi (Zivkovic, 74′) e Jonas

Suplentes não utilizados: Svilar, Lisandro López, Filipe Augusto e Samaris

Treinador: Rui Vitória

Golos: Jonas (36′), Lionn (47′), Rúben Ribeiro (62′), Luisão (86′) e Guedes (94′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Luisão (29′), Marcelo (31′), André Almeida (43′), Rúben Ribeiro (56′), Tarantini (59′), Nélson Monte (83′), Zivkovic (89′) e Cássio (120′)

Com os mesmos onze jogadores que venceram o Estoril (e que começam a consolidar uma nova equipa-tipo onde Jonas é a principal referência ofensiva e há espaço para a magia de Krovinovic a ligar o meio-campo e o ataque), o Benfica preparou bem este encontro com o Rio Ave e conseguiu corrigir os erros que tinha feito no jogo em Vila do Conde para o Campeonato, quando houve um empate a uma bola (em agosto). Por isso, entre alguns períodos de maior equilíbrio, os comandados de Rui Vitória conseguiram ser melhores na primeira parte.

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João Novais, o tal jogador que apareceu nos jornais após o fantástico golo de livre frente ao Moreirense por ter sido falado numa Insta Story entre Bruno Fernandes e Gelson Martins (que diziam que se Jorge Jesus já estava de olho no médio, depois daquele lance ia de certeza buscá-lo), deu o primeiro aviso de novo após bola parada, com uma defesa apertada de Bruno Varela (4′). No entanto, seria o Benfica a beneficiar das melhores oportunidades.

Por mérito de Cássio (boa saída aos pés de Jonas aos 10′, toque providencial num remate de Krovinovic na área pouco depois) ou falta de pontaria (Salvio, aos 19′, atirou muito perto do poste após transição rápida), a melhor oportunidade dos encarnados até surgiu num lance de… Marcelo, defesa dos vila-condenses: na sequência de um cruzamento da direita, o brasileiro desviou mal para a própria baliza mas a bola acabou por bater no poste e sair para canto (18′). Antes, os visitados tinham reclamado um eventual penálti de Varela sobre Guedes que Fábio Veríssimo mandou seguir.

Havia dois pormenores que ditavam o rumo dos acontecimentos: 1) a forma como o Benfica ia conseguindo tirar espaço através de zonas de pressão específicas sobre os criativos Rúben Ribeiro, Francisco Geraldes e João Novais e, em paralelo, condicionar a primeira fase de construção dos visitados; 2) a capacidade para sair em transições rápidas ultrapassando aquela barreira sólida de Pelé e Tarantini no meio-campo, explorando também a profundidade com passes nas costas da linhas defensiva sempre subida dos vila-condenses.

Faltava o golo, que veio com nota artística e do desequilibrador de sempre: Jonas, que não marcava fora na Taça de Portugal há três anos, recebeu um cruzamento bem tirado de André Almeida da direita para na área, de primeira, enviar um míssil sem hipóteses para Cássio (36′). Foi uma obra prima só para craques que teve um outro dado: o 18.º golo do brasileiro iguala o registo alcançado ao longo de toda a última temporada (e estamos em dezembro).

Não tendo o resultado controlado, o Benfica partia para a segunda parte com um jogo bom para controlar, ideia que demorou apenas dois minutos para ser desconstruída: no seguimento de uma perda de bola em zona proibida de Cervi, pressionado pelos homens avançados do Rio Ave, Francisco Geraldes voltou a mostrar que tem futebol mais do que suficiente para ser jogador do Sporting (o seu clube de sempre) e assistiu Lionn na área para o empate (47′). No caso do lateral, foi quebrado um jejum de três anos sem marcar; no caso do internacional Sub-21, mostrou de novo que tem uma qualidade acima da média.

Voltava tudo à estaca zero no resultado, mas não nas características do jogo: por um lado, havia mais expressão do Rio Ave nas suas venenosas transições; por outro, o Benfica deixou de conseguir encontrar aqueles espaços na frente que tinham sido ouro na primeira parte. O perigo vinha de iniciativas individuais, como em que André Almeida teve um lance de artista a fintar e a fletir para dentro antes de disparar para defesa de Cássio (57′).

No entanto, seriam os vila-condenses a dar a volta ao marcador. E se muitas vezes a qualidade ofensiva dos jogadores da frente não tem resultado prático em golos, esta noite a eficácia foi muito maior do que é costume e premiou o melhor jogador extra-grandes nos primeiros cinco meses de temporada: Rúben Ribeiro, o artista do cabelo descolorado que, após receber um passe do inevitável Francisco Geraldes, conseguiu fintar e rematar em jeito na área com quatro adversários por perto para mais um grande golo em Vila do Conde (62′).

Em 15 minutos, o Benfica passou de vencedor a vencido. Mas reagiu bem, tão bem que Luisão, aos 64′, só não fez o empate na sequência de uma bola parada porque Cássio voltou a ser enorme. Ainda assim, o Rio Ave, aquele Rio Ave que nos convida a assistir aos jogos mesmo menos mediáticos pela qualidade, estava cada vez mais confortável, confiante e solidário, como se viu num corte de cabeça após uma bola parada ofensiva mal cobrada que Rúben Ribeiro foi fazer à sua área depois de uma enorme e longuíssima corrida (68′).

Rui Vitória lançou Raúl Jiménez, apostou em Zivkovic e arriscou tudo com Seferovic, mas apenas conseguiu forçar o prolongamento através de um herói improvável quando uns minutos antes tinha desperdiçado pelo herói do costume: aos 84′, após um puxão de Nélson Monte sobre Jonas, o brasileiro falhou a primeira grande penalidade desde que está na Luz (com uma grande defesa de Cássio, convém referir); aos 86′, depois de um canto na direita do ataque de Zivkovic, Luisão parou na coxa “à artista” e disparou para o fundo das redes na pequena área.

O capitão, que bateu mais um recorde a nível de jogos pelos encarnados ficando agora apenas atrás de Nené, deu o exemplo que inspirou todos e apontou o 47.º golo pelo Benfica, igualando o registo de Chalana. No entanto, no seguimento de um corte nos descontos do tempo regulamentar, sentiu uma picada na coxa e teve mesmo de sair, deixando a equipa reduzida a dez unidades porque não havia mais substituições para fazer.

Rui Vitória tentou reorganizar algo que parecia não ser organizável face às características dos jogadores que estavam em campo, colocando Salvio e Zivkovic como laterais e André Almeida em dupla com Jardel no centro da defesa. E bastaram quatro minutos para se ver esse esquema improvisado durante a pausa antes do prolongamento ruir: Barreto entrou na área com muito espaço, rematou, a bola ficou prensada na defesa encarnada mas Guedes, o avançado que anda com instinto apurado (marcou em quatro dos últimos cinco jogos), apontou o 3-2 (94′). Cássio ainda fez mais uma grande defesa a remate de Seferovic mas o resultado estava fechado.

Nesse golo de Guedes, Seferovic, que tinha tentado vir dar uma ajuda a Zivkovic na esquerda, coloca o avançado português em jogo de forma inadvertida. Não é por muito, mas coloca. Foi apenas mais um “azar” entre outros como a lesão de Luisão sem substituições, o penálti falhado por Jonas ou a exibição fantástica de Cássio. Mas nem tudo se pode resumir a isso e o Benfica tem muito trabalho de reflexão e ação nas próximas semanas.