Janelle Monae falou e disse. Foi dela o discurso mais poderoso da mais recente edição dos Grammys, que desde há 60 anos premeia o que de melhor se fez no mundo da música. A intérprete de “Tightrope” aproveitou o momento em que subiu ao palco para introduzir o espetáculo de Kesha para lançar um dos mais vincados apoios ao movimento #MeToo e Time’s Up, que tem dado voz a pessoas que tenham sofrido de abuso e assédio sexual em várias áreas da sociedade.

Para aqueles que ousaram tentar nos silenciar, temos duas palavras para eles: esse tempo acabou. E falamos do tempo da desigualdade salarial, o tempo da discriminação, o tempo do assédio de qualquer tipo e do abuso de poder. Porque isto não está a acontecer apenas em Hollywood, não está a acontecer apenas em Washington. Está aqui, na nossa indústria [musical]. E se temos o poder de agitar a cultura, também temos o poder de desfazer a cultura que não nos serve bem”, disse a cantora.

Janelle Monae admitiu “orgulho” em estar ao lado das mulheres que têm participado no movimento #MeToo: “Apoio-as não apenas como artista, mas também como uma jovem ao lado das minhas colegas irmãs nesta sala que compõem a indústria da música. Artistas, escritoras, assistentes, publicitárias, CEO, produtoras, engenheiras e mulheres de todos os setores do negócio. Nós também somos filhas, esposas, mães, irmãs e seres humanos”, começou por dizer a artista. E pediu que homens e mulheres “trabalhem juntos para criar ambientes de trabalho mais seguros, igualdade de remuneração e oportunidades para todas as mulheres”.

Depois, Janelle Monae deu voz a Kesha, ela própria vítima de assédio sexual nos primeiros anos de carreira, que ao lado de Bebe Rexha, Cyndi Lauper, Camila Cabello, Andra Day e Julia Michaels interpretou “Praying” como um hino aos “Quebradores de Silêncio”.

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Janelle Monae. Créditos: Getty Images for NARAS

A falta de igualdade na indústria musical também foi tema abordado por Lorde, a única mulher nomeada na categoria de “Álbum do Ano”, mas que não teve autorização para cantar a solo na cerimónia dos Grammys (ao contrário dos outros nomeados). A artista publicou uma fotografia na conta oficial do Instagram onde mostra um bilhete cosido às costas do vestido vermelho que vestiu na festa: “Rejubila-te. Os nossos tempos são intoleráveis. Ganha coragem, pois o pior é um prenúncio do melhor. Apenas estas circunstâncias podem precipitar a queda dos opressores. Os velhos e corruptos devem ser deitados abaixo antes de os justos poderem triunfar. A contradição vai ser elevada. O julgamento será acelerado pela encenação das sementes do distúrbio. O Apocalipse vai florescer”.

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Depois, vieram as mensagens puramente políticas. A mais arrojada veio de uma participação especial de Hillary Clinton num momento em que os Grammys puseram Cher, Snoop Dogg, Cardi B, John Legend e DJ Khaled a ler excertos do livro “Fire and Fury: Inside the Trump White House”, o livro que resume o primeiro ano de Donald Trump na Casa Branca. A piada partiu do anfitrião, James Corden, que os convidou a todos para encontrar um possível vencedor de um álbum de livros lidos para o próximo ano. E parece ter encontrado esse vencedor em Hillary Clinton, que leu: “Durante muito tempo, ele [Trump] teve um profundo medo de ser envenenado. Essa era uma das razões pelas quais ele gostava de comer no McDonald’s. Ninguém sabia que ele estava a caminho e a comida era pré-fabricada com segurança”.

As políticas de Donald Trump também mereceram a atenção de dois dos artistas mais jovens a participar nos Grammys: Camilla Cabello e Logic. A primeira, que canta “Havana”, lembrou que é filha de emigrantes cubanos que “foram para os Estados Unidos com nada mais nas malas senão sonhos” e que sempre lhe ensinaram “o valor do trabalho”: “Este país foi erguido por sonhadores, para sonhadores que perseguem o sonho americano”, rematou ela antes de introduzir os U2, também eles uma banda de emigrantes irlandeses.

No fim dos Grammys, o assunto das políticas anti-emigrantes de Donald Trump também voltaram ao palco na voz de Logic: “Em nome daqueles que lutam pela igualdade num mundo que não é igual e que não está pronto para a mudança que estamos aqui para trazer, eu digo-vos: venham os cansados, os pobres ou qualquer imigrante que procura refúgio. Vocês não vêm de países de merda. Juntos podemos construir, não apenas um país melhor, mas um mundo que está destinado a ser unido”. Foi assim que Logic fechou o ciclo das mensagens anti-trumpistas que começou logo que Dave Chappelle interrompeu a atuação de Kendrick Lamar para dizer: “A única coisa mais assustadora do que ver um homem negro a ser bem sucedido nos Estados Unidos é ser um homem negro bem sucedido nos Estados Unidos”.

Dave Chapelle. Créditos: Getty Images for NARAS

De resto, fica na memória a mensagem de Alessia Cara, que pede olhos e ouvidos mais atentos a artistas talentosos que ainda não tiveram oportunidades para crescer na indústria da música: “Eu só quero dizer que há artistas incríveis que fazem música e que merecem ser reconhecidos. Nem sempre são o são por causa de questões de popularidade ou de jogos de números e isso é um pouco infeliz “, disse ela.” Eu só quero incentivar todos para a apoiar música verdadeira e artistas verdadeiros porque todos merecem as mesmas oportunidades”.