Pelo menos 50 mil milhões de dólares saem de África todos os anos em fluxos ilícitos de capitais, mais do dobro do que o continente recebe em ajuda para o desenvolvimento, revela um relatório da OCDE divulgado esta terça-feira.

O documento, intitulado “Fluxos Financeiros Ilícitos: A economia do comércio ilícito na África Ocidental”, lançado em Paris, aponta a Guiné-Bissau como uma rota desses fluxos e Cabo Verde como um bom exemplo, tendo sido apresentado por Jorge Moreira da Silva, diretor geral de desenvolvimento e cooperação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

“A conclusão a que chegámos é que existem cerca de 50 mil milhões de dólares (40,5 milhões de euros ao câmbio atual) – e esta é uma estimativa muito conservadora, muito prudente porque os números são seguramente muito superiores a este – de fluxos financeiros que saem de África de forma ilícita”, disse à Lusa Jorge Moreira da Silva.

Esses fluxos estão ligados a “13 economias criminosas” identificadas pelo relatório, como o tráfico de droga, raptos para reclamar resgates, tráfico e contrabando de pessoas, contrafação, cibercriminalidade, pirataria marítima, tabaco ilegal, contrabando de armas e de bens, mineração ilegal, abastecimento de petróleo e crimes ambientais.

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Jorge Moreira da Silva destacou que 50 mil milhões de dólares em fluxos financeiros ilícitos “é um número impressionante” porque ultrapassa largamente o que África recebe em ajuda para o desenvolvimento.

“É um número impressionante na medida em que é mais do dobro da ajuda ao desenvolvimento bilateral para África. Isto é se somarmos toda a ajuda para ao desenvolvimento dos países doadores para África, isso totaliza 24 mil milhões de dólares. Claro que com a ajuda multilateral atinge 42 mil milhões. Em qualquer caso, estamos sempre a falar de muitos mais fluxos financeiros ilícitos que saem de África do que o dinheiro dos doadores para o combate à pobreza e a promoção do desenvolvimento em África”, sublinhou.

O responsável da OCDE acrescentou que o estudo foi feito na África ocidental porque esta região é “um caso de estudo na medida em que é porventura a região mais frágil do planeta, seja em termos de conflitos, seja em termos de pobreza extrema”. Explicou que o relatório pretende mostrar “não apenas a gravidade da situação do ponto de vista dos fluxos financeiros”, mas também a sua relação com o desenvolvimento.

“Se é verdade que são os países mais pobres, são as situações de desenvolvimento mais frágil que proporcionam os fluxos financeiros ilícitos, é igualmente verdade que os fluxos financeiros ilícitos são também um acelerador do empobrecimento dos países”, afirmou.

Como exemplo, apontou a Guiné-Bissau que surge no estudo como “uma rota, seja de origem, seja de trânsito, de vários e não de apenas um fluxo financeiro ilícito”, nomeadamente os fluxos associados “ao tráfico de droga, ao tráfico de armas, mas também ao tráfico de seres humanos”.

“Os países que conhecem fragilidade, vulnerabilidade e subdesenvolvimento são países que são palco de vários fluxos financeiros ilícitos e não apenas de um tipo de fluxo financeiro ilícito”, precisou Jorge Moreira da Silva.

O diretor geral de desenvolvimento e cooperação da OCDE lembrou que a Guiné-Bissau “tem conhecido durante muitos anos situações de Estado de enorme fragilidade”, nomeadamente “um Estado de direito que não foi sendo construído na sua plenitude”, a fragilidade no sistema de justiça e no sistema de segurança e “uma estratégia de desenvolvimento económico que não gerou benefícios para as populações”.

Cabo Verde “não aparece como sendo um caso problemático de fluxos financeiros ilícitos”, o que demonstra que “quanto mais estável e mais assente no Estado de direito for um país, menos margem de manobra existe para os fluxos financeiros ilícitos se desenvolverem e prosperarem”.

“Cabo Verde surge neste estudo como um bom exemplo de um país que – seja pela sua estratégia de desenvolvimento económico, social e ambiental, seja pelo seu sistema político e pelo Estado de direito – aparece como não estando associado a fluxos financeiros ilícitos”, acrescentou.

Jorge Moreira da Silva explicou, ainda, que a conclusão do relatório “é que é necessário trabalhar em parceria para resolver este problema” porque é preciso atender tanto à origem dos fluxos financeiros ilícitos, ligada aos países com mais vulnerabilidades, quanto ao destino dessas rotas, associado a países ricos.

“Uma parte do destino destes recursos financeiros são países ricos, são países da União Europeia, são países da OCDE. Portanto, não vale a pena ter uma perspetiva moralista do norte para o sul, apontando o dedo. É necessário trabalharmos em conjunto”, indicou, defendendo a necessidade de trabalhar ao nível do comércio, sistemas financeiros, justiça, segurança e criação de condições de desenvolvimento local.

Na conferência de lançamento do relatório, também foi lançada uma parceria entre a OCDE e a Comissão Económica das Nações Unidas para África para combater os fluxos ilícitos de capitais, através da monitorização de fluxos financeiros e aumento da ajuda ao desenvolvimento.