Decorria o mais importante evento de videojogos do Mundo, a Electronic Entertainment Expo, e a Sony preparava-se para iniciar a sua muito antecipada conferência. Será que iriam anunciar The Last of Us 2? Uma nova série? Bloodborne 2? O palco estava às escuras e uma orquestra sinfónica iniciava os primeiros acordes de uma banda sonora de timbrados épicos. Enquanto assistia àquele momento mágico, o meu coração soube o que era. Apareceram as primeiras imagens do jogo — uma criança no ecrã — e ao fundo, uma voz grave, imponente, grita: “Boy!”. Como uma criança, gritei mesmo antes de o ver: “É o Kratos!!!”. As suspeitas confirmaram-se. De dentro de uma cabana, saído das sombras, o guerreiro de Esparta apareceu e todos vimos a Sony Entertainment anunciar, através de um trailer e de um gameplay de 13 minutos, o regresso de Kratos e de um dos franchises exclusivos mais amados da gigante nipónica. A data de lançamento continuava um segredo, mas a notícia já estava na rua: Kratos iria regressar.

Passaram-se dois anos e foi pouco ou nada mais foi avançado. Entretanto, soube-se apenas que o novo jogo se ia chamar simplesmente God of War, que Kratos estava visivelmente mais velho e acompanhado de uma criança. Tudo nos levava a crer que era o seu filho e que o jogo não decorria na Antiga Grécia, mas sim no norte da Europa. A 6 de março de 2018, no Forte de São Julião da Barra, em Oeiras, pudemos ver em primeira mão o que poderá vir a ser este novo God of War, experimentar um pouco da sua mecânica, espreitar as primeiras linhas da sua história e conversar com Derek Daniels – game designer da Santa Monica Studios (empresa responsável por God of War) e com Ricardo Carriço, o famoso actor português que dá vida a Kratos em idioma lusitano desde o primeiro jogo, em 2005.

Nesta apresentação, nenhum detalhe foi deixado ao acaso. Para marcar o momento em que Kratos foi agora transportado para a mitologia nórdica, o salão tinha neve artificial e, no lugar dos bancos e cadeiras tradicionais, foram colocados troncos que nos faziam sentir numa sala cerimonial de um rei nórdico. A música do jogo tocava e o actor Joaquim Guerreiro andava pela sala meticulosamente vestido de Kratos, acompanhado por uma criança que dava vida a Atreus, o filho do guerreiro. O ambiente não poderia ser mais perfeito.

A história de vingança do guerreiro espartano teve inicio em 2005, com a saída de God of War (GoW), um jogo exclusivo para a consola doméstica de maior sucesso de sempre, a Playstation 2. O primeiro jogo tomou o mundo de assalto, tendo sido aclamado por críticos e jogadores, e recebendo análises de 9/10 por quase todos os meios de comunicação. Foi considerado, por jogadores e jornalistas, um dos melhores jogos da sua geração. Um jogo de mecânica simples, em que o famoso button mash de hack ‘n slashes como Devil May Cry e Onimusha (jogos que serviram de inspiração para God of War), tornou-se quase na impressão digital de GoW . O combate descomplicado, a câmara fixa, a narrativa interessante e nova, fizeram deste jogo o responsável por um dos mais famosos franchises da nossa era e catapultaram os Santa Monica Studios para o estrelato, ocupando o lugar entre editoras estabelecidas no mundo dos videojogos como a Konami e a Capcom.

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Um sucesso esperado por quem concebeu o jogo? Nem por isso.  “Não esperava de todo estar neste nível”, admitiu Derek Daniels, quando o questionei sobre esta jornada de 13 anos. “Lembro-me de estar a trabalhar no primeiro jogo e, como sabes, naquela altura, não havia Patches nem DLCs, tudo o que desenhávamos e concebíamos teria que caber no disco, e por isso muito tempo passava desde que terminávamos o jogo e este era lançado e apareciam as primeiras análises. Lembro-me de estar já a trabalhar com a equipa na possível parte 2, e ao falar com os meus colegas, tenho a distinta memória de lhes dizer: Provavelmente vamos ter pontuações entre os 7/10 e os 7.5/10. Se calhar vamos conseguir lançar a parte II, mas quem sabe. E depois as primeiras análises saíram e foram um 9/10 e depois a segunda análise que li foi um 10/10, e eu fiquei: humm… Ok… Fiquei com tanta pressão para continuar que não imaginam. Portanto, não – nem nos meus melhores sonhos imaginei que conseguiríamos ter este sucesso e chegar aqui!”

Ser Kratos não é fácil e o ator Ricardo Carriço, que lhe deu voz, pôde comprovar isso mesmo. “É difícil dar voz a Kratos, principalmente nos primeiros dois jogos em que o nível de exigência é muito grande”, admitiu. “O facto de estarmos a trabalhar em registos de voz graves, mas com picos de raiva e ódio muito grandes, teve que haver aqui uma gestão para não rebentarmos as cordas vocais. Apesar de estar a dobrar é um trabalho muito físico. Dei comigo, após duas horas de estar a gravar a voz, de ter a camisola completamente encharcada em suor exactamente por esta carga emocional que é muito forte – por estar constantemente em tensão. É um trabalho muito giro, apaixonante, mas muito violento.”

Quando interroguei Ricardo Carriço sobre a característica amoral de Kratos, a resposta do ator não deixou de ser extraordinariamente surpreendente: “Parto de um princípio, e agora falando aqui de forma mais esotérica, que tudo na vida depende de um equilíbrio: o dia não existe sem a noite e o bem não existe sem o mal. E tudo na vida depende da gestão desses dois lados. Kratos é, por natureza, um homem que perdeu o seu canto, a sua referência, e eu compreendo a revolta dele, porque acho que todos nós, de algum modo, também temos esse lado.” Por entre sorrisos, terminou a sua análise dizendo: “Compreendo-o, sou amigo do Kratos.”

Um Kratos mais velho, mais calmo e mais maduro

Sem estragar aquilo que virá a ser o jogo, posso apenas dizer que confirmamos que Kratos está agora em terras nórdicas, tem (aparentemente) um filho e vive uma vida mais ou menos recatada e pacata. Para trás estão os momentos em que as Blades os Chaos ou as Blades of Athena estavam imbuídas no seu corpo. Agora, no seu lugar, encontramos tiras de couro que tentam tapar as marcas do seu passado. Kratos olha para estas marcas com rancor e dor nos seus olhos — as expressões faciais do seu rosto são absolutamente nítidas graças ao espantoso brilhantismo que a qualidade gráfica 4K. Os cenários são deslumbrantes, o detalhe é incrível.

Iniciamos e jogo e rapidamente entendemos que este já não é um jogo de hack ‘n slash ou câmara fixa. Kratos já não tem as suas Blades, e a substitui-las temos um machado que, tal como Mjolnir de Thor, pode ser lançado e chamado de novo para nós através de um único botão. Continua a haver ataques leves, ataques pesados, mas agora estes têm que ser pensados consoante os inimigos que enfrentamos. Temos um escudo, podemos lutar sem armas, apenas com a força dos nossos punhos, Atreus pode ser usado como uma distracção enquanto atacamos um Boss por trás, e a esquiva torna-se agora a nossa manobra primordial de defesa e preparação de ataque. Por mais estranho que pareça, o combate lembrou-me, e muito, a mecânica de combate de um outro exclusivo da Sony: Bloodborne. E esta comparação é, para mim, um passo em frente e algo muito positivo.

O martelo servirá também para resolver puzzles e acedermos a novas áreas, que nos darão Experience Points. God of War evoluiu e já não é um unidimensional hack ‘n slash. Modernizou a sua estrutura, e segue a lógica de jogo de clássicos como The Witcher 3 ou Horizon: Zero Dawn. Uma imitação? Poderá ser mas, para mim, é uma simples evolução natural de algo que terá que manter a sua qualidade.

Quando falei com Derek Daniels, e abordámos o facto da nova jogabilidade ser tão estranhamente familiar, Derek respondeu: “Esse é um aspecto engraçado porque as pessoas que trabalharam nos primeiros jogos, trabalharam também neste! Portanto, é muito bom de ver que essas pessoas, embora sejam as mesmas, evoluíram também. Para nós, é como termos os mesmos ingredientes, mas estamos a fazer uma refeição diferente. Kratos ainda reage de imediato no momento em que pressionas o botão, não tem qualquer lag, e esses são os momentos que na sua essência fazem de God of War aquilo que ele é.”

Kratos está também diferente. Mais calmo. Mais maduro. Parece cansado. É o mesmo mas, de alguma forma, um outro Kratos. Será que esta mudança foi propositada? Derek Daniels diz-nos que: “O primeiro jogo foi uma simples história de vingança. Aprendemos o que move Kratos, como morreu a sua família, porque é que a sua pele é branca, porque queria matar Ares e tudo isso. Mas à medida que a história ia progredindo, percebíamos que Kratos era o Homem que continuava a gritar para o céu e a querer matar todos os deuses. Com este jogo, sabíamos que ainda gostávamos muito desta personagem, e por isso, todos quisemos entender exactamente a essência do que gostávamos tanto nesta personagem. Quisemos explorar os aspectos que o fazem ser alguém com quem conseguimos criar empatia. Acho que quando as pessoas jogarem este jogo vão entender que os eventos que ocorreram nos jogos I, II e III, não estão esquecidos e vão influenciar a narrativa de uma forma ou outra, mas a personagem em si cresceu, envelheceu, teve um filho e por isso mesmo, pondera muito mais as suas acções. Acho que é a progressão natural de uma pessoa a sério que passa por muita coisa.”

Quase que se sente que Kratos regressa a casa, uma vez que, segundo rumores, God of War, originalmente, tinha sido concebido para ser uma história da mitologia nórdica. Será que isso é verdade? Derek Daniels não confirmou: “A verdade é que falámos de muitas mitologias quando concebemos o primeiro jogo. Mas rapidamente convergimos para a mitologia grega pelo seu lado apelativo de design e combate com medusas, todos os deuses, os cenários, etc. E antes de GoW nunca tinha sido lançado um jogo de mitologia grega por isso foi fácil convergir para aqui. Com o progredir da história, fomos atraídos pela mitologia nórdica e tudo o que oferece, principalmente pelos cenários frios e vulcânicos, as rochas, as texturas. Não conseguimos resistir ao apelo deste tipo de história!”

Alexa Ramires, Rubber Chicken