O Governo previa no Orçamento do Estado reduzir o défice em 533 milhões de euros este ano, mas a necessidade de acomodar mais quase 800 milhões de euros para o Novo Banco que não estavam previstas no Orçamento, aumentaram este esforço para o dobro, consumindo a folga conseguida com o défice no ano passado, de acordo com os dados contidos numa análise do Conselho das Finanças Públicas ao Programa de Estabilidade. Organização liderada por Teodora Cardoso estima também que o Governo não cumpra a redução mínima do saldo estrutural exigida por Bruxelas.

As metas do défice para este ano têm sido alvo de intenso debate político entre o Governo e os seus parceiros à esquerda, em especial o Bloco de Esquerda, que depois de dois anos de ver o défice ficar significativamente abaixo do compromisso assumido nos respetivos orçamentos, tem exigido que o Governo se comprometa a gastar tanto quanto o aprovado pelo Parlamento.

Neste debate, o Bloco diz que o Governo quer reduzir o mais o défice que o previsto, tendo em conta o valor global do défice previsto no Orçamento, e o Governo insiste que a redução do défice que conta é a face ao que aconteceu no ano passado, logo o que está a prever é até uma redução mais baixa.

As contas, feitas pelo Conselho das Finanças Públicas na sua análise ao Programa de Estabilidade, oferecem alguma luz sobre o tema. De acordo com a entidade liderada por Teodora Cardoso, a redução acima do previsto do défice no ano passado – sem contar com a capitalização da Caixa Geral de Depósitos – criou um ponto de partida mais favorável para o défice deste ano na ordem dos 985 milhões de euros, face ao que estava previsto no Orçamento em outubro.

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Esta folga, que o Bloco de Esquerda queria ver utilizada para investir em serviços públicos deficitários como é o caso do Serviço Nacional de Saúde, não é vista como tal pelo Governo.

Mário Centeno, por sua vez, que tinha previsto reduzir o défice em 533 milhões de euros este ano, tendo um défice mais baixo no ano passado, reduziu este ritmo para apenas 275 milhões de euros e apresentou esta decisão como um abrandamento na redução do défice.

No entanto, nestas contas faltava acautelar um gasto que não estava previsto no Orçamento e que é financeiramente significativo, que é o custo para o Fundo de Resolução de uma nova injeção de capital no Novo Banco decorrente do acordo feito com a Lone Star aquando da venda do banco. A possibilidade legal foi acautelada no Orçamento, mas os gastos em si não estavam, obrigando o Governo a um novo esforço.

Ou seja, o Orçamento vai ter de gastar mais 792 milhões de euros com o Novo Banco, sendo que estes quase 800 milhões de euros não estavam ainda previstos no défice, exigindo assim um esforço adicional que só será compensado parcialmente pelo esforço adicional feito no ano passado.

Assim, em vez dos 533 milhões de euros previstos na redução do défice, o Estado vai na verdade ter de fazer um esforço de 1067 milhões de euros, que conta com o défice menor que o previsto, mais o dinheiro para o Novo Banco.

De acordo com a análise do Conselho das Finanças Públicas, o espaço para os gastos com o Novo Banco (mas também para as novas contratações nos setores da saúde e educação e para os incêndios) terá surgido de revisões em baixa nos gastos previstos com consumos intermédios – as despesas de funcionamento do Estado, como os consumíveis e combustíveis -, com outra despesa corrente (gastos não especificados) e subsídios.

Portugal não cumpre metas mas não deve ser punido

O Governo volta a prever uma redução do saldo estrutural compatível com as regras de Bruxelas – ainda que não com a meta que lhe foi exigida pelo Conselho da União Europeia -, mas o Conselho das Finanças Públicas fez as suas próprias contas e diz que o esforço fica muito aquém do previsto.

No Programa de Estabilidade, o Governo prevê reduzir o défice estrutural em 0,4% do PIB potencial este ano. Sendo que a meta estabelecida por Bruxelas é de pelo menos 0,6%, a verdade é que para haver exigências de Bruxelas, ou até qualquer tipo de punição, seria necessário que a diferença entre a meta – os 0,6% – e o resultado previsto fosse de 0,5 pontos percentuais ou mais. Ou seja, se a redução fosse de 0,1% ou inferior.

No entanto, de acordo com o Conselho das Finanças Públicas, é isso mesmo que deve acontecer. A diminuição do saldo estrutural deve ser de 0,1 pontos percentuais, e não os 0,4 pontos percentuais previstos pelo Governo.

A confirmar-se, este desvio não violaria apenas as regras europeias no que ao saldo estrutural dizem respeito, mas também a própria lei portuguesa, já que estas metas estão consagradas na Lei de Enquadramento Orçamental, ainda que nunca tenha havido qualquer punição por uma violação que tem sido repetida em quase todos os anos desde que a lei está em vigor.

No entanto, lembra a entidade liderada por Teodora Cardoso, a Comissão Europeia terá um entendimento diferente sobre que medidas serão consideradas temporárias e permanentes, o que afeta o cálculo deste esforço, além de que o Governo tem a possibilidade de invocar – como já disse que o pretende fazer – uma cláusula de ocorrência excecional que permite que parte do défice não seja contabilizado apenas quando se está a apurar se existiu ou não um desvio significativo (que poderia ter consequências para o país). É o caso dos gastos excecionais previstos com incêndios, que a Comissão também já demonstrou abertura para aceitar com excecionais.

A estes dois fatores acresce ainda a possibilidade de haver uma análise conjunta à evolução dos últimos dois anos, para apurar se o desvio médio é inferior a 0,25%, que considerando o resultado de 2017 é o que deverá acontecer.