Quando o cancro chega ao cérebro sobram poucas hipóteses de tratamento e pouco tempo de vida. Para tentar reverter essa situação, um grupo de investigação do Centro Nacional de Investigação Oncológica (CNIO, Espanha) dedicou-se a tentar combater o cancro não pelo ataque direto às células tumorais, mas pela alteração do ambiente que envolve o tumor e que é essencial para este crescer. O trabalho é ainda preliminar, mas mostrou que uma molécula extraída das sementes do cardo-mariano pode ter bons resultados em ratos e em humanos. Agora, os investigadores procuram financiamento para poderem fazer um ensaio clínico alargado. Os resultado foram publicados esta segunda-feira na revista Nature Medicine.

Há vários anos que a equipa de Manuel Valiente, líder do Grupo de Metástases do Cérebro do CNIO, tenta perceber se há alguma maneira de combater as metástases cerebrais com estratégias dirigidas ao cérebro e não ao tumor. A investigação destas metástases é particularmente importante porque se desenvolve em 10 a 40% dos casos de cancro, independentemente de qual a origem do cancro primário. Os doentes recorrem normalmente a cirurgia ou radioterapia para tratarem estas metástases. Nos últimos anos surgiu uma imunoterapia, mas só 20% dos doentes parecem beneficiar do tratamento. Com as metástases no cérebro e sem tratamentos dirigidos, o tempo e a qualidade de vida ficam muito reduzidos.

“Este tratamento pode ser válido para qualquer tipo de metástases do cérebro, independentemente do tumor primário que as originou”, disse Manuel Valiente, em comunicado de imprensa.

No trabalho que têm vindo a desenvolver, os investigadores identificaram como potenciais alvos os astrócitos — células muito comuns no cérebro, que sustentam e alimentam os neurónios — e o gene STAT3. Estes dois elementos já mostraram estar envolvidos na formação de metástases no cérebro: o gene está muito ativo nos astrócitos que estão empenhados na criação de um ambiente favorável ao desenvolvimento do tumor, incluindo por influenciarem o sistema imunitário. Eliminar este gene parecia ser a solução perfeita para que não se criassem as condições ideais de formação de metástases no cérebro.

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Sabendo o que se queria eliminar, era preciso encontrar o fármaco certo para o fazer. Conhecido o modelo, os investigadores puderam testar a relação entre centenas de compostos e as células metastáticas — num sistema chamado METPlatform. “Esta estratégia permite-nos testar drogas experimentais e outras que já estão em uso para outro tipo de patologias que podem ou não estar relacionadas com o cancro. Acreditamos que usando o METPlatform podemos ser mais eficientes no desenvolvimento de novas opções terapêuticas, visto que podemos estudar as células metastáticas em crescimento no órgão que está a ser colonizado”, disse Manuel Valiente, em comunicado.

Uma vez demonstrado o sucesso em ratos, era preciso verificar se a silibinina — extraída do cardo-mariano (Silybum marianum) — também era eficaz em humanos. Na verdade, um dos elementos da equipa já tinha usado um suplemtento alimentar com silibinina em dois doentes com cancro do pulmão e metástases no cérebro. Na altura, a ideia era proteger o fígado, outra das funções desta molécula, mas os efeitos que conseguiu nas metástases deixaram-no surpreendido. A partir daí sabiam que podia resultar, mas não sabiam qual o mecanismo que garantira o sucesso. Agora, a equipa testou o fármaco que bloqueia o gene STAT3, em combinação com o tratamento convencional (quimioterapia), em 18 doentes com cancro do pulmão e metástases cerebrais. O ensaio mostrou que, em média, a taxa de sobrevivência foi de 15,5 meses, contra quatro meses dos doentes que em 2015-2016 tinham feito apenas os tratamentos convencionais. Dos 18 doentes, três tiveram uma resposta total e 10 tiveram uma resposta parcial. O tratamento não mostrou efeitos adversos.

“O nosso tratamento tem como alvo principal o ambiente do cérebro que foi alterado pelas metástases. É um novo conceito terapêutico”, disse Manuel Valiente. “Também estamos a atacar uma alteração que só é vista quando as metástases cerebrais e que é necessário para a sua viabilidade.”

Os resultados são promissores, mas antes de chegar à prática clínica serão precisos mais ensaios clínicos com este fármaco. Para isso os investigadores precisam de arranjar 700 mil euros.