Quando a carta de rescisão unilateral de Rui Patrício com o Sporting foi tornada pública, e quando nesse mesmo dia o mesmo aconteceu com a de Daniel Podence, começou por pensar-se que todos esses documentos tinham uma base com cerca de 90% semelhante e que depois eram introduzidos alguns crescendos mais pessoais de cada um, mas essa ideia acabou por cair quando se tornaram conhecidas as justificações de Bruno Fernandes e Battaglia, em documentos bem diferentes. Também Rafael Leão, que assinou esta semana pelo Lille após entregar a revogação unilateral com o conjunto verde e branco a 14 de junho, tem alguns argumentos idênticos e justificações próprias, como as que apresenta logo no início da carta.

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“O signatário, oriundo de uma família humilde e pobre, integrou desde criança o centro de formação do Sporting Clube de Portugal, usualmente conhecido por ‘Academia de Alcochete’, onde residiu praticamente até aos dias de hoje e ali fez toda a sua formação pessoal e profissional. Reconhecimento e gratidão que apenas considera abalados pelo desequilíbrio comportamental de alguns dirigentes da Sporting SAD, a que a grande instituição Sporting Clube de Portugal é alheia”, destaca o jovem avançado, numa missiva a que o Observador teve acesso e que pode ser lida aqui na íntegra.

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“Tomando por referência os mais virtuosos valores da centenária instituição, bem como de todos aqueles que para si sempre foram ídolos, julgou nela poder continuar a crescer pessoal e profissionalmente com a necessária segurança e estabilidade. Valores que nos últimos meses viu ruir, com a certeza que com o estado atual das coisas o seu temor, medo e insegurança são irreversíveis. O que, muito a contragosto e com uma infinita mágoa, obriga o signatário a decidir-se pela desvinculação contratual com esta SAD. Os adeptos, simpatizantes e sócios da instituição não podem nem ser inflamados, nem ‘arremessados’ pelos dirigentes contra aqueles que diariamente trabalham em prol do engrandecimento da mesma, unicamente para gáudio e ego (desses dirigentes). Assim, num ápice, os atuais dirigentes da SAD do Sporting Clube de Portugal conseguiram destruir um sonho que o signatário veio alimentando e construindo até aos 19 anos de idade”, acrescenta ainda no início da carta.

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Frisando que “alguns atos colocaram em causa a dignidade profissional e pessoal, a confiança, o bom nome e até infelizmente a segurança”, Leão escreve que “o senhor presidente atribuiu a culpa dos resultados à falta de profissionalismo e dos colegas” e recorda uma expressão muito discutida após o ataque na Academia. “A crítica pública – sempre severa – de uma entidade patronal com o alcance nacional e internacional que tem a SAD do Sporting coloca uma pressão profissional e pessoal altamente adversa aos atletas. Adversa até ao livre exercício de uma vida pessoal e familiar normal. Especialmente nos atletas profissionais de futebol, atenta a sua maior exposição pública. Essa mesma entidade patronal, que ao não assegurar a segurança no local de trabalho permitiu que o signatário e os seus colegas de equipa um episódio de verdadeiro horror, declarou publicamente que foi ‘chato’. Entende o signatário, enquanto jogador do Sporting, que os factos que vivenciou tornam impossível manter a relação de trabalho”, acrescenta, recordando uma expressão utilizado por Bruno de Carvalho.

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Realçando ainda que, na sua ótica, foi a pressão e as críticas feitas pelo antigo líder que levaram a que existisse um clima de intimidação até por parte dos adeptos, na rua ou através das redes sociais, o avançado que pertence agora aos quadros do Lille recupera uma série de mensagens públicas e privadas de Bruno de Carvalho até ao dia em que grande parte do plantel colocou nas redes sociais um comunicado que respondia a esses “ataques”. “A situação ficou deveras pior quando o pai do subscritor recebeu um telefonema do senhor presidente informação e ameaçando: ‘O puto que tire o comentário, senão vai haver problemas’ (…) O subscritor temeu intensamente pela carreira profissional e nessa noite não dormiu sequer um minuto”, contou, a propósito dos problemas que se registaram entre o jogo em Madrid e a receção ao P. Ferreira.

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“Nos três dias seguintes em que o signatário permaneceu na Academia do Sporting em Alcochete não conseguiu sequer dormir ou reagir. As cenas de dia 15 atormentavam-no a cada instante. Decidiu sair e refugiar-se na cada do pai, António Leão. Por ter identificado um dos agressores, o temor adensa-se em cada dia que passa e a verdade é que, nos dias de hoje, acorda em sobressalto e teme sair à rua. Por muito que tente convencer-se da possibilidade, a verdade é que não vai conseguir voltar mais ao local onde passou oito anos da sua vida, que apesar de ter sido a casa que o acolheu, foi onde passou pela experiência mais traumática que alguma vez possa ter memória. Nem nos dias em que a fome tanto o atormentou”, confessa.

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Além da carta de rescisão, o avançado juntou ainda algumas notícias da altura do ataque, bem como o contrato válido até 2022 que tinha renovado em setembro de 2017 (por um valor bruto entre os 60 mil e os 80 mil euros por época, a que se juntava ainda uma verba variável entre os 20 mil e os 100 mil euros mediante o número de jogos oficiais realizados, entre um valor mínimo de cinco e um máximo de 35) e um parecer do psicólogo José Carlos da Silva Caldas, que fala sobre o impacto que um episódio como aquele que ocorreu na Academia pode ter, sobretudo num jogador com apenas 19 anos.