O regime de Bashar al-Assad tem uma “estratégia para vencer a guerra” na Síria que passa pela utilização recorrente de armas químicas. Essa é a conclusão de uma investigação da BBC, que conseguiu verificar a ocorrência de 106 ataques químicos em território sírio desde setembro de 2013, a maioria levada a cabo pelas forças do Exército sírio.

Como metodologia, a cadeia de televisão britânica analisou apenas os relatos de ataques desde setembro de 2013, altura em que o Presidente sírio assinou a Convenção de Armas Químicas e aceitou destruir o arsenal de que o país dispunha. A BBC — numa parceria entre o programa Panorama e a BBC Arábica — debruçou-se sobre 164 relatos de alegados ataques com armas químicas, tendo chegado à conclusão que 106 deles são relatos credíveis, com base nas provas disponíveis como vídeos, fotografias e testemunhos.

Esta contagem é uma das mais elevadas já registadas por organizações independentes. Em 2016, a Sociedade Médica Sírio-Americana foi mais longe, colocando a fasquia nos 161 ataques, que teriam matado quase 1500 pessoas. Abaixo dos 106 ataques contabilizados pela BBC está o levantamento da Organização Não-Governamental Human Rights Watch (HRW), que até fevereiro deste ano — data do ataque químico a Ghouta Oriental, onde terão morrido dezenas de pessoas — tinha conseguido verificar a ocorrência de 85 ataques.

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O levantamento da BBC dá conta de que a maioria dos ataques químicos terão sido perpetrados contra a província de Idlib, último bastião dos rebeldes que lutam contra Assad, mas cidades como Alepo e Ghouta foram igualmente alvo deste tipo de ataque. O ataque que terá provocado o maior número de mortes foi em Khan Sheikhoun (Idlib), em abril de 2017. Ao todo, mais de 80 pessoas terão morrido num só dia.

Quem são os responsáveis pelo uso de armas químicas na Síria?

Com base nos dados recolhidos pelo Mecanismo de Investigação Conjunto da Organização pela Proibição das Armas Químicas, criado pelas Nações Unidas, a BBC concluiu que pelo menos dois ataques com gás mostarda terão sido levados a cabo pelo Estado Islâmico e há provas que apontam para a possibilidade de o grupo terrorista estar por detrás de outros três ataques químicos.

O Mecanismo, contudo, não conseguiu apurar que outros grupos rebeldes que lutam contra Assad tenham responsabilidades em ataques químicos — como têm defendido o regime sírio e o Governo russo, aliado de Bashar al-Assad. A BBC garante também não ter recolhido provas nesse sentido.

As provas recolhidas por todas estas organizações apontam antes para as tropas de Assad como responsáveis pela maioria dos ataques. Segundo a BBC, pelo menos 85 dos 106 ataques terão sido levados a cabo pelo Governo sírio. Uma das provas mais substanciais é o facto de muitos dos ataques serem lançados a partir do ar, algo que, de acordo com a BBC, só seria possível às forças do regime sírio. Outro dos indícios é o facto de muitos dos locais afetados terem sido alvos de ataques em momentos em que o Governo estava a tentar reconquistar aquelas zonas — foi o caso de Idlib em 2014 e em 2015, de Alepo em 2016 e de Ghouta Oriental em 2018.

A maioria dos ataques com armas químicas a que temos assistido na Síria seguem um padrão que indica que são obra do regime e dos seus aliados e não de outros grupos na Síria”, resumiu à BBC Lina Khatib, responsável pelo programa de Médio Oriente do think-tank Chatham House.

“As armas químicas são utilizadas sempre que o regime quer enviar uma mensagem forte à população local de que a sua presença não é desejada”, declarou ainda Kathib.

Em abril deste ano, após um dos maiores ataques químicos a Ghouta Oriental, os Estados Unidos acusaram o regime sírio de ter utilizado armas químicas “pelo menos 50 vezes”, na ONU. Oficialmente, a Comissão de Inquérito Internacional Independente das Nações Unidas concluiu que o regime sírio levou a cabo pelo menos 34 ataques químicos desde 2013, mas o número pode ser mais elevado já que o próprio organismo confirmou não ter tido acesso ao terreno em 2015.

Já em 2017 a HRW tinha chegado à conclusão de que a maioria dos ataques foram levados a cabo pelo regime. Algumas das armas químicas utilizadas são gases como o cloro, o sarin ou outros agentes nervosos. Em “pelo menos alguns dos ataques”, escreve a HRW, “a intenção parece ser a de infligir sofrimento grave na população civil, o que corresponderia a crimes contra a Humanidade”.

“Esta é uma luta de vida ou morte para o regime de Assad. Não há volta a dar, eu compreendo isso”, reconheceu à BBC Julian Tangaere, antigo inspetor da Organização pela Proibição das Armas Químicas. “Mas os métodos utilizados e a barbárie de algumas das coisas que aconteceram estão para lá de qualquer compreensão.”