No dia em que os brasileiros escolhem entre uma guinada à extrema-direita ou o regresso do PT ao poder, 15 anos depois da eleição de Lula, sobram histórias para contar da ida às urnas. Num país profundamente dividido entre as duas opções, isso viu-se nas assembleias de voto: muitos eleitores de Bolsonaro foram vestidos com as suas cores e com a sua cara; vários apoiantes de Haddad decidiram votar com um livro, tal como pediu o candidato.

A contrariar essa divisão, um gesto que fez notícia: em São Paulo, um eleitor envergando uma tshirt com a cara de Bolsonaro entregou uma rosa a um apoiante do PT, também ele com autocolantes pró-Haddad na tshirt. O momento, símbolo de apaziguamento, aconteceu perante o olhar atento e até estupefacto de alguns, sobretudo tendo em conta a violência que marcou a campanha — além do atentado contra Bolsonaro, duas pessoas foram mortas por se terem manifestado a favor de Haddad.

Tshirts por Bolsonaro e um caixão para enterrar o PT

Uma das pessoas que escolheu vestir uma tshirt com a cara de  Bolsonaro foi Júlia Castro, de 20 anos, que votou no Recife. Ao El País Brasil, disse que votou no PT na última eleição — em 2014, quando Dilma Rousseff derrotou Aécio Neves — mas “nada mudou”. E, com Haddad, pensa que o futuro seria semelhante: “Se Haddad ganhar, vai ficar tudo como está. Principalmente a corrupção.”

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Também era a cara do candidato do PSL que se via na roupa de um grupo de apoiantes que acompanhou Bolsonaro ao local onde votou, no Rio de Janeiro. Em cima do carro puseram um caixão de cartão. Lá dentro, um homem vestido de vermelho e fazer de morto, simbolizando o PT.

Um beijo, o colete anti-balas e o PT num caixão. A ida de Jair Bolsonaro às urnas

Haddad pediu que se votasse com livros — e muitos cumpriram

Fernando Haddad pediu e alguns dos seus eleitores cumpriram: quando saíram de casa para ir votar, levaram consigo um livro. “Vote com um livro na mão, urna é lugar de depositar esperança”, escreveu o candidato do PT.

Uma das pessoas que acedeu ao pedido de Haddad foi Débora Casolato, de 33 anos, que falou ao El País Brasil. Levou o livro “Mulheres, Raça e Género” de Angela David, ativista e ex-pantera negra. Sobre o seu voto, respondeu àquele jornal: “Para mim foi uma escolha óbvia: contra o fascismo, a favor dos direitos humanos e da educação. Eu geralmente voto na esquerda, mas eu acho que nunca votei com tanta força, quase soquei 13 na urna”.

Também ao El País Brasil, a fisioterapeuta Julia Vasconcelos, de 32 anos, foi votar com um livro. No seu caso, escolheu uma coleção de contos de Machado de Assis. Votou Haddad, mas foi de Bolsonaro que falou na altura de justificar o seu voto. “Me preocupa a forma como ele legitima a violência”, disse a eleitora do Recife. “Se ele ganhar, temo pelas mulheres e pelos gays, pois acho que seria um retrocesso nos direitos dessas pessoas.”

Também a jornalista e escritora Eliane Brum, que declarou o seu voto em Haddad nas vésperas das eleições, levou um livro para votar — e foi mesmo um autor português que escolheu. No Facebook, partilhou uma fotografia de “A desumanização”, de Valter Hugo Mãe. Curiosamente, também o próprio Valter Hugo Mãe apelou ao voto contra Bolsonaro. “Nenhum regime de exclusão seria alguma vez o meu regime”, disse o escritor português.

Com que livro você votou?Eu votei com esse aqui.Estamos formando uma biblioteca de resistência linda! Emocionada de…

Posted by Eliane Brum on Sunday, October 28, 2018