O novo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, reiterou a ideia de que quer promover o acesso generalizado da população a armas de fogo a partir dos 21 anos e despenalizar quem abate um assaltante em flagrante delito. Na primeira entrevista desde a eleição, concedida à TV Record, Bolsonaro disse ainda que quer convidar o juiz Sérgio Moro — responsável pelo processo Lava Jato e que ordenou a prisão de Lula da Silva — para ministro da Justiça do seu Governo. Caso Moro decline o convite para o Governo, o candidato do PSL, que venceu Fernando Haddad, do PT, no último domingo, Bolsonaro deverá convidar o juiz para o Supremo Tribunal de Justiça.

No que diz respeito à liberdade de expressão e às minorias, Jair Bolsonaro baixa o tom e diz que quer contar com a oposição para Governar e que não vai limitar a liberdade de imprensa. Na entrevista à TV Record, o novo presidente brasileiro elogiou a isenção da estação televisiva antes do início da entrevista e diz que vão ser os leitores a castigar os maus órgãos de comunicação social do Brasil. Defendeu ainda a expulsão da Venezuela do Mercosul e anunciou que ainda irá visitar Trump aos Estados Unidos este ano.

Depois da primeira entrevista à TV Record, Bolsonaro deu ainda entrevistas nas horas seguintes à Band TV , onde negou a existência da ditadura militar e defendeu a redução da maioridade penal para 14 anos, ao Jornal Nacional da Globo, onde fez um violento ataque à Folha de São Paulo, e ainda mais duas entrevistas: à SBT e à Rede TV.

Armas. Porte de arma a partir dos 21 para todos e em todo o lado

Jair Bolsonaro lembrou que, no referendo de 2005, “dois terços da população decidiu pelo direito de comprar armas e munições” e que é preciso “respeitar a vontade popular”. Segundo o novo presidente do Brasil, uma “arma de fogo mais do que a garantir a vida de uma pessoa, garante a liberdade de um povo”.

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Bolsonaro recorda que uma das condições para porte de arma, segundo a lei, é “comprovar uma efetiva necessidade de comprar uma arma de fogo”. Atualmente, são as autoridades que decidem se existe essa necessidade, mas, para Bolsonaro, vai deixar de ser preciso porque esse estado existe para qualquer brasileiro.

A orientação é que a efetiva necessidade está comprovada pelo estado de violência em que vive o Brasil. Nós estamos em guerra. Todo o mundo diz isso aí. Queremos mexer na lei. Diminuir de 25 para 21 a idade [para poder ter porte de armas]. E dar o porte definitivo para o cidadão. Não podemos atribuir e periodicamente, de 3 em 3 ou de 5 em 5 anos, tirar. Não podemos criar mais um encargo para quem quer ter uma arma dentro da sua casa para defender a sua família”, afirmou Bolsonaro na entrevista à TV Record.

Mas Bolsonaro defende que a arma seja permitida não só dentro de casa, mas também na rua e deu o exemplo dos camionistas que, na sua opinião, deviam andar armados.

Se um camionista andar armado e reagir a alguém que estiver roubando o seu estepe [a carga], ele vai dar o exemplo para a bandidagem. Atirou, o elemento foi abatido, em legítima defesa. Ele vai responder, mas não tem punição. Isso vai diminuir a violência no Brasil com toda a certeza.

Ou seja: a chave está não só no porte de arma, mas na despenalização a quem atira a matar contra um ladrão. “Você responde, mas não tem punição. Se estava de facto, furtando [pode atirar]”, defende Bolsonaro.

Composição do Governo. Convite a Sérgio Moro para o ministério da Justiça

Jair Bolsonaro disse na mesma entrevista que não só considera Sérgio Moro como um nome indicado para o Supremo Tribunal de Justiça, como também irá convidá-lo para ser ministro da Justiça. Se Moro aceitar, Bolsonaro promete que será uma “pessoa de extrema importância” no Governo.

Agora que acabou o período eleitoral [posso falar nisso]. Se tivesse falado isso lá atrás soaria oportunismo da minha parte. Eu pretendo sim [convidar Sérgio Moro], não só para o Supremo, quem sabe até para o Ministério da Justiça. Quero conversar com ele. Saber se há interesse dele nesse sentido também. Pretendo conversar com ele brevemente. E se houver interesse da parte  dele, concerteza será uma pessoa de extrema importância num Governo como o nosso”, afirmou Bolsonaro.

Bolsonaro confirmou ainda que o novo ministro da Ciência e da Tecnologia, deverá ser o coronel Marco Pontes e disse ainda que recuou na ideia de aumentar o número de vagas do Supremo e de substituir os juízes que compõem aquele órgão. Para o novo presidente do Brasil, o seu anterior ataque ao Supremo teve “a ver o contexto” com  “o momento”, mas “ficou no passado realmente”. E admitiu: “Eu estava embarcando num equívoco”.

Política externa. Venezuela deve ser expulsa da Mercosul

Jair Bolsonaro diz que a política externa já foi bem gerida no passado no Brasil, mas nos Governos do PT a “pressão ideológica passou a falar mais alto”. O novo presidente do Brasil, referiu, a propósito da Política Externa, a importância da visão dePaulo Guedes — o responsável pelo programa económico — nesse ponto. E lembrou as palavras do seu provável futuro ministro das Finanças (Fazenda) sobre o Mercosul. “Ninguém quer implodir o Mercosul, mas queremos dar a devida estatura para ele”, defendeu.

Bolsonaro diz que se quer livrar de “algumas amarras do Mercosul” e diz que “pela cláusula democráticaela cláusula, nunca a Venezuela podeia ter entrado no Mercosul”. E o país até devia ser expulso:

 Mesmo ignorando o passado e que não devia ter entrado, pelas clásusulas democráticas, a Venezuela não devia participar mais do Mercosul“.

EUA. Conversa mais longa com Trump e visita ainda este ano

Sobre a primeira conversa com o presidente dos EUA, Bolsonaro explicou que foi uma “conversa mais demorada que as demais” e que esteve em cima da mesa os dois assuntos anunciados por Trump no Twitter: o comércio bilateral e a Defesa. O novo presidente dos EUA quer ter boas relações comerciais com os EUA:

Vamos aprofundar a nossa conversa num futuro contacto. Pretendo ir nos EUA ainda este ano. Levaria a minha equipa. O meu vice-presidente, o general Mourão por essa pauta militar, na pauta comercial levaria o Paulo Guedes, nós temos muito que ampliar o nosso comércio [com os EUA] sem descurar os outros países”.

Minorias. “Não me interessa essa coisa da pele, opção sexual. Somos iguais”

Bolsonaro foi várias vezes acusado de racismo, homofobia e misoginia, devido a declarações que fez no passado. Nesse aspeto, o seu discurso está bastante moderado, considerando que não deve haver um conceito de minoria, porque todos os brasileiros são iguais perante a constituição. Disse até que não lhe interessa a cor dos brasileiros nem a opção sexual.

O que é a minoria? Quais direitos de tal minoria? Nós somos iguais. Eu não tenho diferença para você. Não me interessa essa coisa da pele, opção sexual, região onde nasceu, género. Somos iguais, como está no artigo 5º na Constituição”, atirou Bolsonaro.

O novo presidente do Brasil lá deixou escapar uma tirada mais crítica, dizendo que não se pode “pegar certas minorias e achar que têm superpoderes e que são diferentes das demais”. Mas concluiu: “Se conseguirmos igualdade para todo o mundo, todos se sentirão satisfeitos”.

Oposição e críticos. Um presidente para 208 milhões de pessoas

Apesar de o país estar partido ao meio, Bolsonaro promete ser o presidente de todos os brasileiros: “Vamos governar para 208 milhões de pessoas, não apenas em quem votou em mim”. Num assomo de humildade, o recém-eleito presidente brasileiro, diz que “o Brasil está mergulhado na mais profunda crise ética, moral e económica” e que, por isso, “não vai ser uma pessoa ou um partido que vai tirar o país desta situação”. E apelou: “Precisamos do apoio de todos”.

Para Bolsonaro, “a oposição é bem vinda” e até acredita que o poderá ajudar “a evitar que algo de mal possa acontecer numa decisão errada da tua parte”. O novo presidente brasileiro voltou a garantir que não vai atacar a liberdade de expressão:

A oposição é bem-vinda, a liberdade de expressão é sagrada e vamos fazer um Brasil diferente agindo dessa maneira.

Bolsonaro foi duro com movimentos sociais como MST e o MTST, que acusa de “invadir propriedades, matar animais, e colocar fogo em prédios”. Para estes movimentos, Bolsonaro defende uma “legislação bastante dura” para “os que vivem à margem da lei seja enquadrados”. E acrescentou: “Qualquer invasão terá de ser tipificada como terrorismo. Propriedade privada é sagrada, seja urbana ou rural“.

Imprensa livre. É o leitor e o espectador que decidem

O novo presidente brasileiro garante que quem vai impor limites à liberdade de expressão é o “leitor”. Bolsonaro insistiu que existem “certos órgãos de imprensa que caíram no descrédito por ocasião das eleições” e que “por si só perdem assinantes, ou perdem espectadores”.

Bolsonaro disse ainda que quer privatizar ou extinguir a televisão estatal, a TV Brasil, recorrendo aos outros media quando quiser falar ao povo:

Nós não queremos a propaganda, a nossa TV oficial. A nossa ideia é privatizar ou extinguir. Não podemos gastar mais de um bilhão por ano com uma empresa que tem traço de audiência. Preferimos confiar nos media tradicionais quando o Governo quiser fazer os seus anúncios. Que tem de fazer.”

A entrevista concedida à TV Record foi na casa do novo presidente. Ao contrário de Lula, que preferiu dar a primeira entrevista à Globo, também Dilma Rousseff tinha concedido a primeira entrevista como presidente à TV Record.

História. Bolsonaro nega que tenha existido uma ditadura militar

Logo a seguir, numa entrevista ao Jornal da Band, da Bandeirantes, Bolsonaro negou que o período militar tenha sido uma ditadura, explicando que essa foi uma invenção da esquerda.

Estou muito feliz porque, hoje em dia, grande parte da população entende que o período militar não foi ditadura como a esquerda sempre pregou”, defendeu Bolsonaro.

Bolsonaro criticou ainda o facto de “a imprensa” tratar “Fidel Castro como ex-Presidente e Figueiredo como ditador, isso não tem cabimento”. E justificou: “Quando você fala em ditaduras, uma das características da ditadura é imprensa única. A TV Globo nasceu em 1965, a revista Veja em 1968”.

Quanto à censura, Bolsonaro diz que era feita só para evitar criminalidade e ataques às autoridades:

Porque tinha censura muitas vezes? Porque de acordo com o articulista a palavra-chave era para executar um assalto a banco ou até mesmo para executar autoridade em cativeiro. Essa foi a censura. Eram matérias pontuais”.

Recorde-se que o Brasil viveu sob uma ditadura militar entre 1964 e 1985, numa altura em que houve restrições ao direito de voto, foram suspensos direitos políticos, restrições à liberdade de imprensa e de manifestação e prisão e tortura de adversários políticos do regime.

Idade penal aos 14 anos

Também no jornal da Band, o novo presidente do Brasil disse que, por sua vontade, a maioridade penal passaria para os 14 anos, embora destaque que aceita que baixe para 16 ou 17 anos caso não consiga levar a sua ideia avante.

Se não for possível [baixar a maioridade penal] para 16, que seja para 17 [anos]. Por mim seria para 14, mas aí dificilmente seria aprovada. Pode ter certeza que reduzindo a maioridade penal, a violência no Brasil tende a diminuir”, defendeu o novo presidente brasileiro.

Ataque à imprensa. Folha vai acabar por culpa própria

Numa outra entrevista, ao Jornal Nacional da Globo, Jair Bolsonaro disse ser “totalmente favorável à liberdade de imprensa”, mas apontou baterias à Folha de São Paulo, que publicou alguns dos artigos mais lesivos à sua campanha, como o caso Caixa 2, que considerou de fake news. Bolsonaro disse que “por si só esse jornal se acabou. Não tem prestígio mais nenhum”. E acrescentou:

Quase todas as fake news que se voltaram contra mim partiram da Folha de S. Paulo. Inclusive a última matéria, onde eu teria contratado empresas fora do Brasil, via empresários aqui para espalhar mentiras sobre o PT. Uma grande mentira, mais um fake news do jornal Folha de S. Paulo, lamentavelmente”.

Além de entrevistas à TV Record, à Globo e à Band, Bolsonaro deu ainda uma entrevista à SBT e à Rede TV!. Em várias delas repetiu ideias como o convite a Moro, o desejo de dialogar com a oposição e o recuo em frases como aquela em que disse que iria “banir os vermelhos” do país caso fosse eleito presidente.  Em entrevista à SBT, disse ainda que não fará perseguições políticas: “Aquele que não votou em mim, pode ficar tranquilo que não será perseguido e que terá espaço no nosso governo”.