Entre 1970 e 1991, a desaparecida Editorial Estampa publicou uma coleção de pequenos livros chamada “Livro B”. Em formato de bolso, com uma capa com letras prateadas impressas sobre uma cartolina preta e papel azul, a coleção reunia géneros e autores hoje considerados “marginais”, desde o surrealismo ao fantástico, passando pela literatura simbolista e decadentista. Tinha histórias de vampiros e contos de Lovecraft, mas também a Alice de Lewis Carroll, Dumas ou Balzac. Tinha um pouco de tudo, mas não tinha nada de comercial.

Com o desaparecimento da Estampa, desapareceram também os livrinhos pretos de letras prateadas. A coleção parou no número 55, A Dama de Branco e Outros Contos, do norte-americano Nathaniel Hawthorne, e aí ficou durante quase 30 anos até que a E-Primatur decidiu recuperá-la, recriando-a com um ligeiro acerto do design e formatação. Assim, a partir deste mês de março, a “Livro B” vai estar de volta, com novos títulos que serão publicados com regularidade. O primeiro — o número 56 — será Recordações Fantásticas e Três Histórias Singulares, do suíço Maurice Sandoz (com ilustrações originais de Salvador Dalí). Em seguida, serão editados:

  • N.º 57 — Os Mil e Um Fantasmas, Alexandre Dumas;
  • N.º 58 — Satânica, Judith Teixeira;
  • N.º 59 — A Estalagem Voadora, G. K. Chesterton.

Os primeiros dois números da renascida “Livro B”, que serão publicados até ao final de março

A par da publicação dos livros (os dois primeiros saem no final deste mês), será lançado um site que conta a história da “Livro B”. Além de informação sobre as obras editadas pela E-Primatur, este pretende reunir testemunhos de quem trabalhou de perto com a coleção da Estampa ou que contribuiu de alguma forma para esta. A “Livro B” terá também uma página de Facebook.

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“Uma coleção de culto” que não tinha medo de ser “pop”

O primeiro número da “Livro B” saiu em 1970, cerca de dez anos depois de António Carlos Manso Pinheiro ter criado a Editorial Estampa, onde colaboraram nomes como Luiz Pacheco ou Mário Cesariny. Tratava-se de O Arranca-Corações, do francês Boris Vian, numa tradução da poetisa Luiza Neto Jorge. Nas duas décadas seguintes, publicaram-se mais de 50 volumes, traduzidos por nomes importantes das letras portuguesas, como Aníbal Fernandes, Manuel João Gomes, Ernesto Sampaio, José Saramago, Virgílio Martinho, F. Paiva Boléo, Álvaro Guerra, Fernanda Barão, Silva Duarte, João da Fonseca Amaral ou Jorge Silva Melo.

A edição começou a abrandar nos anos 90 (o último livro, A Dama de Branco e Outros Contos, saiu em 1991), terminando definitivamente com o início do processo de insolvência da Estampa. Durante esse período, fizeram-se ainda várias reimpressões da coleção.

A coleção continuará com a publicação de dois livros de Judith Teixeira e G.K. Chesterton

Passadas várias décadas do surgimento da “Livro B”, “dir-se-ia” que a coleção reuniu, nos seus 55 volumes, “as literatura marginais”, o “incomum por vocação”, “tudo o que revolve nos antípodas do establishment literário, tudo o que agita as águas do previsível”. “A coleção não temia ser pop desde que esse pop não fosse reconhecido pela academia”, referiu o editor da E-Primatur, Hugo Xavier, que considera que a “Livro B” abriu “novos universos de leitura para milhares de leitores em Portugal”. Ainda hoje, quando fala dos livros publicados pela Editorial Estampa, é comum ouvir que foi com eles que alguém descobriu determinada obra ou determinado autor.

“Se a maior parte das bem-sucedidas coleções de bolso portuguesas do século XX eram eminentemente coleções de consumo de massas, e isto independentemente da sua qualidade intrínseca, a coleção ‘Livro B’ esteve à altura do desígnio de ser alternativa”, afirmou Hugo Xavier. “Não se tornou uma coleção de massas, mas uma coleção de culto, uma coleção para connoisseurs”, que agora voltará a estar disponível.